A Critica Cinematografica no Extremo Sul
O que eh um critico cinematografico hoje em dia?
Antes do escrito: Certa vez, nos anos 80, numa de minhas conversas com meu antípoda cinematográfico, meu amigo Renato Pedroso Júnior, eu lhe disse que os dois maiores críticos de cinema no Rio Grande do Sul eram Luiz Carlos Merten e Tuio Becker. Renato, mordaz, corrigiu-me: os únicos. Não haveria então outros críticos gaúchos de cinema? Eu aquiesci na correção de Renato. Éramos jovens. Éramos radicais. Para além de nossas profundas diferenças em algumas de nossas relações com o cinema, eu e Renato nos encontrávamos num ponto: o que era um bom texto sobre um filme. De lá para cá muitas coisas mudaram, muitos conceitos já não existem. Diante dos textos variados de 50 olhares da crítica sobre o cinema gaúcho, ressoa em meus ouvidos uma perplexidade à evocação daquele ferino diálogo com meu amigo Renato Pedroso Júnior: o que é um crítico cinematográfico hoje em dia?
Organizado por Daniel Feix, Fatimarlei Lunardelli, Ivonete Pinto, Mônica Kanitz e Rafael Valles, o livro 50 olhares da crítica sobre o cinema gaúcho (2022) é um projeto da ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul) e tem edição da Diadorim Editora, uma casa porto-alegrense. Várias gerações de pensadores cinematográficos se encontram nas páginas do livro. No conjunto de ensaios, deparamos com os veteraníssimos Luiz Carlos Merten, Hélio Nascimento e Enéas de Souza, passamos por uma geração intermediária (Fatimarlei Lunardelli, Jacqueline Chala) e chegamos aos mais recentes (Juliana Costa, André Kleinert). O embate de muitos dos analistas com a memória cinematográfica gaúcha é um dado físico: estavam dentro das produções analisadas, não somente nas salas de cinema. Algo como o cinema visto desde dentro.
Aqui, nestas anotações críticas em torno duma produção crítica, em que eu próprio estive envolvido, o mais adequado que se possa fazer é dar voz aos que ali escreveram. Como numa sala de pensamentos cinematográficos. Como um montador, exercito aqui minha montagem de atrações: do que li, alguns instantâneos. Um fluxo da minha consciência.
“O primeiro aspecto que salta aos olhos em Vento Norte é o esmero de sua composição fotográfica. Com precisão milimétrica na disposição da luz e na organização dos espaços, seus planos destacam uma desproporção colossal entre o ser humano e a natureza. Esse desequilíbrio, por sua vez, é fundamental para determinar o destino de ambos. Sempre que o homem tenta desafiar o curso dos acontecimentos, o mundo mostra sua força e o devora.” (filme Vento Norte por Roberto Cotta).
“Atribuo a Inverno essa sensação e o fato de, pela primeira vez, ter visto em película um cotidiano minimamente semelhante ao meu.” (filme Inverno por Jacqueline Chala).
“A sensação é que aquela geração estava acometida de alienação, alegria, juvenília e ingenuidade.” (filme Verdes anos por Ivonete Pinto).
“Adyós general, por sua vez, é o próprio esgoto.” (filme Adyós general por Leonardo Bonfim).
“Um ensaio com o infinito poder das imagens” (filme Ilha das flores por Marcelo Oliveira da Silva).
“Para tantas analogias apontadas para essa saga de Anahy, empurrando sua carroça de andrajos em meio a uma guerra fratricida, talvez pudéssemos pensar na própria saga do cinema brasileiro, que lutava contra os inimigos da arte e da cultura, que viam nos produtos para o mercado os únicos a serem valorizados.” (filme Anahy de las misiones por Miriam de Souza Rossini).
“Afinal, há momentos em que o cinema, vivo, pulsante, tatua-se de verdades tão profundamente gravadas que vence a árdua luta travada contra o que não pode se apagar.” (filme O caso do homem errado por Daniel Rodrigues).
“E assim, o orgasmo de uma vítima pode ser interrompido através de uma garganta cortada, e o prazer continuado na cena seguinte, através da devoração de sua carne. A sequência em que mendigos se banqueteiam da carne humana descartada pelo casal encerra o filme com um escárnio cruel.” (filme Paulo e Ana Luiza em porto Alegre por Cristian Verardi).
“A solução diante de tais interesses acabou surgindo quase natural, ainda que tortuosa, através de uma combinação sutil e irônica de metalinguagem e memorialismo. E o que era uma aparente crise criativa acabou se tornando um fascinante caleidoscópio de ideias, nos moldes de obras memoráveis de temática semelhante como Oito e meio (Federico Fellini, 1963) e Adaptação (Spike Jonze, 2002)”. (filme A cidade dos piratas por André Kleinert).
“Se A última estrada da praia é um filme sobre a juventude chegando à maturidade, Mudança é um filme de duas gerações: a do pai e a do filho, numa conjuntura histórica e política determinada.” (filmes A última estrada da praia e Mudança por Enéas de Souza).
Pensar cinema. Escrever cinema.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br