Os Anos 80: Deu Pra Ti

Verdes Anos fez um inesperado sucesso comercial no Rio Grande do Sul e, segundo consta, pouco interessou ao publico fora daqui

13/07/2024 03:45 Por Eron Duarte Fagundes
Os Anos 80: Deu Pra Ti

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O nome da mostra, na Sala Redenção, é “Para descomemorar o golpe”. O golpe militar de 1964. A ideia: exibir filmes que tenham alguma ligação temática com estes anos de chumbo. O filme que encerrou a mostra é o clássico Verdes anos (1984), dirigido por Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil. A sessão deu-se com a presença dos diretores para estimular algumas reflexões em torno desta longínqua realização que marcou uma geração de cinéfilos por aqui.

Verdes anos fez um inesperado sucesso comercial no Rio Grande do Sul e, segundo  consta, pouco interessou ao público fora daqui. Seria um filme de interesse doméstico? Embora inspirado no conto Os verdes anos, escrito pelo mineiro Luiz Fernando Emediato, o que se vê em cena no filme de Gerbase e Assis Brasil é o habitual universo pequeno-burguês porto-alegrense que o espectador local já conhecia das realizações na bitola Super-8 do mesmo grupo de indivíduos interessados em criar o Rio Grande do Sul cinematográfico. Uma crônica direta e às vezes visual e interpretativamente opaca. Mas construída com senso de cinema graças à sensibilidade para as imagens dos dois cineastas que assinam a produção. Embora o roteiro original de Alvaro Luiz Teixeira traga muitas referências ao momento histórico e político da ação dramatúrgica (o início da década de 70, a ditadura em seu apogeu), o Verdes anos que bate na tela se despoja da questão política, permitindo uma ou outra escaramuça a medo, parecendo-se o filme então com os exemplares em Super-8 dos realizadores, Deu pra ti, anos 70 (1981), de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, e Inverno (1983), de Carlos Gerbase. Observando-se que as concessões comerciais que permitiram a feitura de Verdes anos em 35 mm e exibição nos cinemas comerciais, vê-se que a autenticidade e os avanços de Deu pra ti, anos 70 e Inverno sobreviveram melhor ao tempo que as digressões de Verdes anos. Ainda assim, ao menos para o observador que saiu daquele meio cinéfilo que gerou tal filme, é impossível deixar de aquiescer na sentença de Tuio Becker em seu livro Cinema gaúcho, uma breve história (1986): “O filme define-se por si próprio através da sinceridade com que dá o seu recado.”

Verdes anos trata, no fundo, da alienação de nossa geração de jovens porto-alegrenses criados à luz dos caminhos fechados na sociedade da ditadura, no anos 70. Ivonete Pinto, que, bastante jovem, foi uma das intérpretes da narrativa, escreveu recentemente como crítica, em 50 olhares da crítica sobre o cinema gaúcho (2022): “A sensação é que aquela geração estava acometida de alienação, alegria, juvenília e ingenuidade.” A alienação, em Verdes anos, não parece construída criticamente: parece acoplar-se ao conformismo que, em alguns momentos, chega a emanar da narrativa. Inverno foi um pouco mais longe em captar uma geração. Mas o marco é Verdes anos: os filmes em Super-8 eram vistos nos guetos alternativos, no Clube de Cultura, Verdes anos chegava a uma sala de ponta da cidade, o cinema Scala, no centro.

Em algumas cabeças, por suas identidades, as imagens de Inverno se permutam com as de Verdes anos, como se fossem iguais e não são. Jacqueline Chala, em 50 olhares da crítica sobre o cinema gaúcho, se confunde, falando de Inverno: “Não tenho muita certeza em qual dois cinemas foi, se no Cacique ou no Scala, instalado no andar superior.” Não foi em nenhum dos dois, Chala: Inverno foi no Clube de Cultura, na Ramiro Barcelos; Verdes anos é que foi no Scala.

Na primeira cena, que cheira a uma improvisação, dois amigos, bêbados, vêm por uma rua escura. Primeiro a rua, depois aparecem os dois e na parte sonora ouvimos latidos de cães. Werner Schünemann e Marcos Breda, em seus inícios, imaturos, exibindo naturalidade e comicidade. A cena foi refilmada em 2022, se bem lembro, e apresentada na sessão após o filme, reforça a evocação e nostalgia, com os corpos mais velhos e mais “desenvolvidos” dos atores hoje de fama nacional.

Agora, revendo o filme tantos anos depois, me chama a atenção (dos ouvidos) aqueles latidos de cães, o detalhe de veracidade da encenação. Em que cidade se passa de Verdes anos? É uma não-nominada cidade de interior. As personagens falam aqui e ali em ir para Porto Alegre. Mas a cidade simbolizada nas imagens é Porto Alegre mesmo, uma cidade de província característica dos anos 80. Fala-se dos anos 70, vagamente, mas o clima é dos 80.

Para uma geração que pouco antes se despedia da década de 70, com um filme-crônica, este novo filme-crônica que é Verdes anos, posto agora em face do mesmo espectador daqueles anos, pode ser uma sugestão de finalmente despedir-se da década de 80 que tanto marcou nossa juventude.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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