A Inquietao de Wilder com o Exagero da Viso
Lanado em DVD pela Verstil o penltimo filme de Billy Wilder, que tem o domnio da cena cinematogrfica
Billy Wilder, nascido na Áustria e com uma carreira internacional como diretor de cinema, tem o domínio da cena cinematográfica: todos os seus filmes, mesmo os menores, revelam um olhar cinematográfico de alguém que, desde o primeiro instante, sabe o que está fazendo. Mas o Wilder jovem, o dos tempos de Viena, foi repórter, um homem de jornal, alguém que queria descobrir o mundo ouvindo as pessoas, célebres ou não. Creio que o cinema e o jornalismo estão no sangue da arte de Wilder: suas narrativas fílmicas parecem nunca abandonar este jeitão jornalístico, curioso.
Vejam Fedora (Fedora; 1978), seu penúltimo filme. Ele não fala propriamente de jornalismo. Está falando do cinema, mais especificamente do cinema de Hollywood, que ele aprendeu a dominar em sua fase americana apesar de sua inarredável sofisticação europeia. Curiosamente Fedora é também uma metalinguagem do próprio jornalismo. Em 1951 Wilder lançou A montanha dos sete abutres, uma sátira brutal sobre o furo jornalístico a qualquer preço. Em A primeira página (1974), feito antes de Fedora, ele voltaria a discutir, de maneira ainda mais exemplar, a ética das redações. Em Fedora, aludindo ao cinema e à decadência das estrelas de cinema, o que nos vem logo é uma meditação sobre o processo midiático que se tem tornado mais agudo neste começo do terceiro milênio —o mundo das estrelas de cinema, como das celebridades em geral, nasce, cria-se a partir da visão exagerada pelos mercadores de notícia, a imprensa; embora o jornalismo não apareça muito visivelmente ao longo de Fedora, o universo de personagens que transita pela narrativa de Wilder é o resultado inevitável da atividade jornalística que em outros filmes o cineasta pintou tão bem. O indivíduo deixou de ser um indivíduo para ser, no mundo visível, e com as lentes exageradas, a criação mítica do indivíduo.
Quem é Fedora? parece perguntar o realizador, compondo uma encenação em que uma elegância crítica de filmar se aproxima da devastação. O jornalista que provoca a morte de alguém em A montanha dos sete abutres não é mais torpe do que a mãe que, em Fedora, envelhece e, para que seu nome não saia da ribalta, expõe sua despreparada filha diante das câmaras, ressuscitando uma Fedora que já não existe, porque é jovem demais para isto; se a jovem Fedora refaz o gesto duma personagem de romance do século XIX, a Anna Karenina de Tolstoi, suicidando-se debaixo de um trem, há algo de esdrúxulo, e este esdrúxulo é o anacronismo emocional.
Bem pensadas as coisas, Fedora tem uma atualidade impressionante nestes tempos em que cada vez mais se exacerba a visão do público. Sim: estamos falando das cenas de terror em Paris neste janeiro de 2015 e a forma como os olhares são manipulados para levar ao ajuntamento dum balaio de gatos na Place de la République, em Paris, num domingo. A velha Fedora é diferente da jovem Fedora, mas uma e outra têm de ser iguais. Em Paris, uma das capitais do mundo, as contradições da sociedade do século XXI são apresentadas com um olhar só: gigantesco. Fedora explica muita coisa.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br