Shakespeare Manchado de Sangue

Não há como ficar imune ao Macbeth de Justin Kurzel

01/09/2016 23:07 Por Bianca Zasso
Shakespeare Manchado de Sangue

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Macbeth - Ambição e Guerra
Ano: 2015
Direção: Justin Kurzel
Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

A crítica teatral Bárbara Heliodora, responsável pelas melhores traduções para o português da obra de William Shakespeare disse certa vez que, entre as várias adaptações para o cinema das peças do bardo, sua preferida era Trono Manchado de sangue, visão de Akira Kurosawa sobre o texto de Macbeth lançado em 1957. O toque oriental dado ao grande nome do teatro inglês pelo diretor japonês incluía atuações ao estilo do teatro kabuqui e o rosto marcante do ator Toshiro Mifune como protagonista. Passados 58 anos de uma das obras-primas de Kurosawa, um jovem diretor australiano resolve beber da mesma fonte. A quantidade de líquido ingerido pode não ter sido suficiente para criar um novo clássico, mas não há como ficar imune ao Macbeth de Justin Kurzel.

Quem está familiarizado com as produções de um outro australiano, Baz Luhrmann, vai identificar alguma influência do diretor de Moulin Rouge. Macbeth utiliza o texto original da peça, mas investe todas as suas forças na poesia visual. A paleta de cores do filme vai do verde etéreo das montanhas da Escócia até o vermelho intenso com alguns toques de laranja na cena da batalha final. Os protagonistas Michael Fassbender e Marion Cotillard entoam com talento os versos inesquecíveis de Shakespeare, mas acabam colocados em segundo plano, já que a proposta de Kurzel parece mesmo traduzir a famosa história de traição e guerra em quadros onde cada movimento de câmera e cada lente utilizada parecem ter sido pensados para tornar a tela um grande painel artístico. O uso do slow-motion comprova isso. A técnica parece a alternativa escolhida pelo diretor para que o público aprecie o plano e nada mais. O problema é que o nada mais, neste caso, é um dos maiores autores do mundo.

Muitos irão afirmar que Kurosawa também criou cenas grandiosas para ilustrar a poesia shakespeariana em Trono Manchado de sangue. A diferença é que o mestre nipônico não criou uma adaptação e sim usou como base a história de Macbeth e sua ambiciosa esposa dentro de um cenário bem longe da Inglaterra, mais precisamente no período do Japão feudal. Já Kurzel foi para as terras originais, grifou trechos importantes do texto na boca de seus atores, mas fez da tragédia um motivo para criar cenas bonitas, mas que logo serão esquecidas, pelo menos para quem já tem em sua bagagem cultural mais de duas versões de Shakespeare para o cinema.

Macbeth é bonito, Marion Cotillard está segura como Lady Macbeth e a influência do cinema oriental (em especial dos filmes de samurais) em cenas do clímax podem ser percebidas e até admiradas. Mas Kurzel parece esconder uma certa insegurança na direção de atores com deslumbre visual, o que seria compreensível em um roteiro de aventura previsível e nada genial, mas é constrangedor em um Shakespeare. O diretor não está sozinho, já que outros clássicos da literatura, como Frankenstein e Drácula ganharam recentemente versões belas de se ver e que deixavam o principal de lado: o lado humano dos “monstros”. Macbeth pode não ser feitos de pedaços de cadáveres e nem sai por seu reino mordendo pescoços, mas sua monstruosidade é a mais perigosa de todas: a ambição. A cena que encerra o Macbeth de 2015 dá destaque para as barbas ensopadas de sangue do personagem-título e de seu oponente, MacDuff. Seu peso seria maior se houvesse mais significado e potência nos acontecimentos anteriores. Logo, enchemos os olhos, mas a alma continua vazia, algo de que o verdadeiro Shakespeare jamais seria capaz.

 

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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