Morre um Mito: Shirley Temple
Aos 85 anos, morreu a maior estrela infantil do cinema em todos os tempos!
Quando eu era mais jovem implicava com os cachinhos de Shirley Temple. Achava que ela era responsável por milhões de crianças em todo o mundo sofrerem por causa das mães que desejavam que as filhas ficassem parecida com ela. Mas a má vontade se dissipou diante do charme e naturalidade desse fenômeno que foi realmente a maior estrela infantil do cinema em todos os tempos. As outras, dezenas de imitadoras, nem chegaram perto. Embora tenha ficado chocado quando descobri que o estúdio sempre diminuiu a idade de Shirley, sempre lhe deram um ano a menos. Se fizeram isso com uma criança, imaginem como mentiam sobre outras coisas. Também sempre achei muito divertido um processo judicial que aconteceu quando o crítico de cinema e depois escritor Graham Greene escreveu dizendo que ela era uma anãzinha e a Fox ofendida resolveu processá-lo. Mas vamos e venhamos, Shirley realmente parece gente grande. Obviamente era uma brincadeira. O fato é que Shirley quando tinha seis anos, oops, sete anos, ganhou um Oscar® especial da Academia em miniatura por “ter trazido felicidade para milhões de crianças e milhões de adultos muito mais do que qualquer outra criança de sua idade na historia do mundo”. A mais jovem pessoa a levar o prêmio até hoje! E não estavam exagerando. Shirley sabia fazer de tudo. Cantava, dançava, chorava, tinha tempo de comédia. Mas era principalmente uma gracinha. Uma pena que tinha que crescer. E falecer como sucedeu segunda-feira passada aos 85 anos.
A lenda de que certas estrelas foram responsáveis por salvar estúdios da falência quase sempre são reais. Ao menos foi o caso de Shirley e seu estúdio a Fox, na verdade o mais jovem de todos os grandes estúdios americanos. Ela estava nos seus difíceis anos de formação (para se ter uma idéia de como isso é difícil, basta ver os problemas que teve Spielberg com a Dreamworks ou a Orion nos anos 80) nascido da junção da 20th Century com a Fox. E foi muito ajudada pela orientação do chefe da produção Darryl F. Zanuck, que foi quem orientou toda a carreira de Shirley.
Nascida oficialmente em 1928, em Santa Mônica, uma região praiana da Califórnia, a poucos quilômetros do centro de Los Angeles, filha de um gerente de banco, desde pequenina demonstrou talento. Com quatro anos já começou a aparecer em alguns curta metragens (calculam-se que foram 15 curtas). Até que em 1934, a Fox a descobriu e percebeu que tinham encontrado uma mina de ouro. E tiraram tudo o que era possível de Shirley, colocando-a em vários filmes por ano, todos parecidos, todos êxitos. Alguns deles, você pode já assistir no Brasil, em DVD (até a pouco eram raridades), como Anjo da Felicidade e Susannah.
Não é fácil hoje em dia imaginar o sucesso de Shirley teve em todo mundo (não apenas a imitação de seu cabelo naturalmente cacheado, calcularam imagina que loucura, que ela tinha exatamente 56 diferentes cachos dourados). Ela foi a primeira a descobrir uma nova arma e fonte de dinheiro, o merchandising. Foram fabricadas bonecas, canecas, discos, chapéus, vestidos, tudo sempre a efígie ou semelhança dela. E que foram tremendo êxito mundial e que existem ainda até hoje no mercado. Shirley foi a Número 1 de bilheteria, votada pelos exibidores, entre 1936-37-38 batendo estrelas como Gary Cooper, Clark Gable ou Bing Crosby. Chegou a ser segurada pela famosa Lloyd´s de Londres. Ela é a origem de todas as Shirleys do mundo inclusive as futuras estrelas Shirley Jones e Shirley Maclaine.
Nos filmes ela sempre servia de cupido para alguém ou então era algum tipo de órfã que tentava amaciar o coração de um velho. Foi dirigida por John Ford, mas mesmo ele não tinha muito trabalho. A garotinha era uma profissional, fazia tudo com perfeição. Se bem que o grande momento era mesmo quando a deixavam na mão do grande sapateador Bill Bojangles Robinson, com quem ela fez uma grande parceria. Os dois se tornaram amigos apesar de na época haver grande preconceito racial na sociedade americana. Os sapateados da dupla são inesquecíveis. E se a menina não tinha grande técnica compensava em simpatia e entusiasmo. Naturalmente Shirley sofreu todas as pressões do sucesso, mas nunca deixou de ser uma criança relativamente normal. Ao menos não se viciou em drogas como sucederia depois com Judy Garland. Seu único problema era inevitável: ela tinha que crescer. Bem que a Fox tentou evitar isso. Mas não conseguiu. Era Shirley que deveria ter feito O Mágico de Oz na MGM, mas o contrato não deu certo (naturalmente Judy virou grande estrela com esse filme).A Fox replicou produzindo outra fantasia colorida (coisa rara e cara na época) com O Pássaro Azul (1940), uma bela alegoria que não teve o resultado esperado. Era o fim de Shirley como atriz infantil.
Sua transição para a fase de adolescente foi complicada. Continuou baixinha (1m57). O produtor David Selznick (E o Vento Levou) resolveu investir nela e chegou a colocá-la em alguns filmes, como Desde que Partiste, onde fazia a filha de Claudette Colbert e irmã de Jennifer Jones, todas sofrendo porque os homens foram lutar na Segunda Guerra Mundial. E no romance Verte ei Outra Vez (I´ll Be Seeing You, 44), com Ginger Rogers e Joseph Cotten. E o amigo John Ford a chamou novamente para participar de Sangue de Heróis (Fort Apache, de 48), uma fita classe Classe A onde ela compartilhava o elenco com astros do calibre de John Wayne e Henry Fonda. Ford também deu uma chance para o marido de Shirley. É que ela tentando se livrar do jugo da família, se casou aos 18 anos com um sargento do exercito, o jovem John Agar (1921-2002). O casamento não duraria muito, mas Agar seria coadjuvante pelo resto da vida, em geral em fitas de Wayne (o casamento acabaria em 1950). Shirley se cansaria da vida de atriz. Em 1949, quando tinha apenas 21 anos largou o cinema para sempre. Em dezembro de 1950, se casaria de novo com um homem de negócios com quem teria dois filhos e com que viveria até a morte dele em 2005. Voltaria ao noticiário como embaixadora do governo americano, em Ghana e na Checoslováquia, e sendo das primeiras celebridades a lutar publicamente contra o câncer no seio. Nunca envolvida em escândalos. Nunca manchando a memória daquela menina de cachinhos. Ano passado, ganhou um Prêmio Especial pela carreira pelo Sindicato dos Atores que a apontou com exemplo de profissionalismo. Subiu ao palco já com dificuldade, mas ainda sorridente, com a covinha. Uma bela e digna senhora. Como disse uma vez: “qualquer estrela pode ser devorada pela adoração humana. Brilho a Brilho”. Felizmente isso não aconteceu com ela.
Filmografia
Shirley começou participando de curta-metragens com elenco infantil, às vezes como Shirley Anne Temple, as vezes sem crédito: 1932- Kid´s Last Stand. Runt Page. War Babies, O Álibi da Ruiva (Red Haired Alibi). The Pie-Covered Wagon. 1933- New Deal Rhythm. Glad Rags to Riches. Kid in Hollywood. Out All Night. The Kid´s Last Fight. Polly Tix in Washington. Dora´s Dunking Doughnuts. To the Last Man. Merrily Yours Kid´in´Africa. What´s To Do. 1934- Pardon my Pups. As the Earth Turns (sem crédito) Managed Money.
Longas: 1934- Carolina (Idem). Capricho Banco (Mandalay. Cenas cortadas). Alegria de Viver (Stand up and Cheer!). Quando Nova York Dorme (Now I´ll Tell). Seu Primeiro Amor (Change of Heart). Dada em Penhor (Little Miss Marker). Queridinha da Família (Baby Takes a Bow) . Agora e Sempre (Now and Forever). Olhos Encantados (Bright Eyes). 1935- A Mascote do Regimento (The Little Colonel). Our Little Girl. A Pequena Orfã Curly Top). A Pequena Rebelde (The Little Rebel). 1936- O Anjo do Farol (Captain January). Pobre Menina Rica (Poor Little Girl). Princesinha das Ruas (Dimples). A Pequena Clandestina (Stowaway). 1937 –A Queridinha do vovô (Wee Willie Winkle). Heidi (Idem). 1938-Sonhos de Moça (Rebecca of Sunnybrook Farm). Miss Broadway (Little Miss Broadway). Anjo da Felicidade (Just Around the Corner. 1939-A Princesinha (The Little Princess). Susana (Susannah of the Mounties). O Pássaro Azul (The Blue Bird). Mocidade (Young People) 1941- Kathleen (Idem). 1942- Miss Annie Rooney (Idem). 1944- Desde que Partiste (Since You Went Away). Ver-te-ei Outra Vez (I´ll Be Seeing You). 1945- Ninguém Vive Sem Amor (Kiss and Tell). Amor de Duas Vidas (Honeymoon). 1947- Solteirão Cobiçado (The Bachelor and the Bobby Soxer). Marcado pela Calunia (That Hagen Girl). 1948- Sangue de Heróis (Fort Apache). 1949- O Gênio no Colégio (Mr. Belvedere Goes to the College). Uma Mulher contra o Mundo (Adventure in Baltimore). Tempera de Vencedor (The Story of Seabiscuit). O Eco de um Beijo (A Kiss for Corliss).
Depois Shirley fez um programa de televisão exibido no Brasil chamado Shirley Temple´s Storybook (1958-61) onde ela contava historias infantis (era apresentadora e ocasionalmente também estrelava os episódios). Foi sua ultima aparição como atriz (a não ser com apenas a voz num Red Skelton Show de 63).
Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de Éramos Seis de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionário de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.