O Filme-Montagem: A Esterilidade da Forma

Mirante quer fazer o espectador encontrar sua propria realidade

23/09/2023 01:39 Por Eron Duarte Fagundes
O Filme-Montagem: A Esterilidade da Forma

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O filme começa com a câmara debruçando-se sobre as imagens de algumas sombras que parecem movimentar-se em torno de algumas janelas de um prédio situado num centro urbano. Logo, para quem mora em Porto Alegre, a intimidade dos cenários da cidade se dá. Mirante (2019), dirigido por Rodrigo John, observa o mundo a partir da janela de um destes apartamentos. O apartamento em que vive o próprio John; as imagens selecionadas que aparecem na montagem final de Mirante foram filmadas entre 2007 e 2018; segundo o cineasta, no instante em que as filmava se apresentavam como um exercício do olhar, não pensava nelas como partes de um filme.

Exercício do olhar. Ontologicamente, todo filme é um exercício do olhar (Michelangelo Antonioni). O que John quer dizer de seu filme é que as imagens que filmou eram exercícios no sentido mais gratuito, experimentações livres, sem projeto. Esta gratuidade transparece no que o espectador vê como narrativa semidocumental em Mirante. A gratuidade, que começa com a imagem e se põe no próprio conceito de filme-montagem, conduz a uma certa esterilidade do cerebralismo de filmar de John. A opção de linguagem (exercício descompromissado) leva o realizador a certos esforços de topar seu ponto de apoio como filme. Fazer uma história encontrar o filme: ainda que seja uma história formalista. Um destes esforços se caracteriza numa questão temática: inserir, dentro do universo audiovisual proposto, as questões políticas, o momento do país, especialmente na parte sonora, as manifestações de rua de 2013, o impeachment de Dilma, a fala de Jair Bolsonaro na votação do impeachment, xingamentos reacionários e toscos. Mas Mirante não é um filme político: a política aqui submerge na esterilidade formal.

O modelo de filme-montagem de Mirante é, certamente, O bandido da luz vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, principalmente na forma das intersecções sonoras. Se Sganzerla deu asas definitivas a uma montagem libertária para o cinema brasileiro à margem, John estilhaça seu filme e o faz divagar em algumas teias de aranha. Há uma cena em que lemos os nomes, Rodrigo John e Adriana Hiller numa tela de computador, eles começam uma conversa de videochamada, mas ela não fala, parece não ouvi-lo, ela sorri somente, ele insta, a ligação é desfeita; Rodrigo é o diretor do filme e Adriana a produtora executiva, ambos são marido e mulher, Mirante é o olhar de ambos a partir da janela de seu apartamento para a vizinhança e os cenários da cidade próximos de seu prédio. A subjetividade de Mirante aspira à objetividade: valendo-se das possibilidades de abstração da forma.

Conversando sobre seu filme, John estabelece um outro contraponto: o documentário de montagem Democracia em vertigem (2019), de Petra Costa. Documentário de montagem: é o que Mirante é também. Diz John: Petra apresenta a realidade pronta; Mirante quer fazer o espectador encontrar sua própria realidade. Na verdade, para o espectador que aqui se apresenta, Democracia em vertigem ludibria suas aparências e é tão ou mais abstrato que Mirante. Para se caracterizar, John tenta reduzir o filme de Petra a uma objetividade obtusa. Um e outro filme procuram a subjetividade do observador. Tanto Petra quanto John erigem uma dramaturgia do documentário. E é nesta procura que está o centro estético de maior interesse para uma discussão sobre os caminhos de um certo cinema brasileiro que, navegando na subjetividade, se chega mesmo duma objetividade que é mais formalista que temática.

Outro contraponto (e final). O acidente (2022), de Bruno Carboni. Carboni tem um rigor à Robert Bresson. John vai pelas linhas subterrâneas e libertárias à Rogério Sganzerla. E ambos se materializam como um exercício do olhar pela montagem: mais denso em Carboni, mais fugidio em John.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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