Riqueza de Interior
Misturando memorias, coisas familiares e uma lucida pesquisa, Dos Cafundos de Santiago torna viva a riqueza de interior da cidade de Santiago
Tito Becon vive longe de sua terra e a reencontra pela literatura em Dos cafundós de Santiago (2023). Isto já aconteceu no passado, por aqui mesmo: Augusto Meyer, longe dos seus, reviveu com refinamento verbal as imagens dos pagos. Becon o faz à sua maneira. No texto de apresentação, escrito desde Brasília, o autor indica as origens de seu livro: “A preocupação de preservar obras, coisas e a memória material e imaterial de Santiago é o móvel principal deste livro.” Diz ainda que o texto vem muito “de uma conversa com Fábio Monteiro e seus arquivos de fotos históricas.” Dos cafundós de Santiago é bem isto: uma conversa ao pé do ouvido do leitor, construída como uma crônica, uma grande reportagem histórica e social.
Misturando memórias, coisas familiares e uma lúcida pesquisa, Dos cafundós de Santiago torna viva a riqueza de interior da cidade de Santiago. Esta riqueza de uma cidade alastra-se pela visão que Becon, a partir de seus locais de vivência, estabelece por todo o Rio Grande do Sul. Em qualquer recanto, em qualquer cafundó em que o leitor daqui (o leitor gaúcho) possa ter-se criado, sentirá o mesmo aroma do passado em que Becon mergulhou.
Duro em sua visão crítica, agudo ao perceber as realidades que nos cercaram, Becon, neste volume que se anuncia como o primeiro de suas evocações natais, dá várias tintas, ou olhares. Eis: “Depois da Guerra Guaranítica, ou mais precisamente, do massacre imposto por Portugal e Espanha a essa civilização emergente, sobraram coxilhas e igrejas queimadas. Aldeias inteiras dizimadas, um povo em frangalhos. Uma história de luta, resistência e arte. Um jeito de ver que até hoje diferencia os povos missioneiros.”
Esta grande descoberta, no fundo da província, ainda que gestada em boa parte na capital federal, me remete a outro resgate histórico pela literatura, que li há algum tempo: Da Itália partimos (2013), de Claudio B. Dalla Coletta. Se o livro de Claudio buscava na serra gaúcha a ancestralidade italiana, o de Becon faz cruzamentos de outra região do estado, ligada às missões jesuíticas. Em ambos —em Becon e em Dalla Coletta— o uso do aparato literário com densidade e sensibilidade para iluminar etnias que compõem este sul do mundo.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br