Filosofia da Linguagem Aplicada a Pratica Politica

No seu sentido pleno, uma meditacao como a deste texto de Claudia de Marchi traz uma intensidade semi?tica que fascina o leitor por seu alto grau de veracidade na aplicacao da teoria

25/10/2025 02:34 Por Eron Duarte Fagundes
Filosofia da Linguagem Aplicada a Pratica Politica

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Incluído no Caderno dialógico: a potência das palavras (2024), o artigo “Sebastião Melo e o chinelo: uma análise acerca da ressignificação nas eleições de 2024, em Porto Alegre”, escrito por Cláudia de Marchi, é na verdade um minucioso e apurado ensaio que, partindo dum episódio de propaganda política nas eleições municipais de Porto Alegre, chega, de maneira tão engenhosa quanto profunda à raiz da filosofia da linguagem, como o uso das palavras nada tem de inocente, gratuito ou inconsequente, como as formas verbais de que nos valemos traduzem ideias, percepções, circunstâncias e mesmo ideias circunstanciais.

Cláudia começa sua análise com uma aparente estupefação. “As eleições para a prefeitura na capital gaúcha sucederam a uma catástrofe político-climática de grandes proporções, embora não imprevisíveis: em um ‘documento assinado por mais de 40 engenheiros e técnicos de saneamento’, constava que ‘o sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre fechou porque não recebeu a manutenção necessária.’” Então, se a própria natureza tratava de dar seu voto contra Sebastião Melo, que houve para que ele vencesse as eleições com tanta sobra? Na introdução a autora ainda aduz: “Candidato à reeleição concorreu com a deputada Maria do Rosário (PT), aguerrida e combativa na defesa dos direitos humanos durante todos os seus mandatos e, por isso mesmo, bastante perseguida pela trupe bolsonarista (Foster, 2023) exposta em disseminação de notícias falsas.”

Ao correr de seu raciocínio, a articulista-ensaísta logo desfaz esta impressão inicial de estupefação, que foi muito mais do eleitorado ou da população que da autora do artigo, que identifica desassombradamente o nó do novelo que levou Melo à reeleição. “Trataremos da ressignificação dada a gíria ‘chinelagem’, com suas variações, que, segundo Luís Augusto Fischer (1999, p. 44), provém de chinelo e é definido como:” Não se sabe a origem da aplicação do termo “chinelo” em sua metáfora depreciativa a Melo, sabe-se que já lhe tinham chamado assim quando era vereador. Mas o fenômeno da ressignificação se deu mesmo nas eleições municipais de 2024. Cláudia nota aí o ponto de virada que transformou o azarão das cheias de maio de 24 no bem visto e simpático “chinelão do povo”; aí estaria a argúcia central dos marqueteiros da campanha de Melo em 2024. “explicar como um termo pejorativo foi ressignificado pela campanha de marketing do candidato reeleito que conseguiu reaproximar-se ainda mais da massa popular da cidade”. Observa Cláudia, com precisão: “A apropriação de ofensa elitista por parte do marketing de Sebastião Melo colocou-o nos braços do povo uma vez que, a por ele denominada ‘esquerda caviar’, foi infeliz em usar uma palavra com significação ofensiva e demasiado elitista. Mirando no candidato feriram uma gama de gente humilde, de parcos recursos e capital cultural.” A consciência crítica do texto usa de uma severidade crua para definir os termos políticos à luz da filosofia da linguagem: “Tem apoio do povo quem representa o povo. Representa quem fala a língua do povo. Ganha uma eleição quem conhece o povo. Há de se pensar com a mente de uma pessoa pobre e periférica se você quiser representá-lo.”

Antes, lá atrás, Cláudia dá o embasamento teórico para este imbróglio prático: “O material através do qual a consciência se desenvolveu foi a palavra. Ela pode servir como um signo de uso interior, realizando-se como tal sem ser externamente expressado. Esta é a razão pela qual ‘o problema da consciência individual, tornado como palavra interior (e em geral signo interior), é uma das questões mais importantes da filosofia da linguagem.”

No seu sentido pleno, uma meditação como a deste texto de Cláudia de Marchi traz uma intensidade semiótica que fascina o leitor por seu alto grau de veracidade na aplicação da teoria (os recursos de raciocínio) à prática cotidiana, no caso, as definições duma eleição política.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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