A Saga do Planeta dos Macacos

Conheça a saga de filmes Planeta dos Macacos, o livro em que foram baseados e os demais produtos da franquia

21/07/2014 16:29 Por Adilson de Carvalho Santos
A Saga do Planeta dos Macacos

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Primatas, na definição do dicionário, é o grupo de mamíferos que compreende os macacos e os seres humanos. Pela força dos processos evolutivos, desenvolvemos nosso intelecto, o que nos fez a raça dominante do planeta. Quando o escritor francês Pierre Boulle (1912-1994) – o mesmo autor do clássico A Ponte do Rio Kwaii – lançou o livro Le Planète des Singes em 1963, ele inverteu as leis do Darwinismo e deu aos macacos a supremacia global. Mais de 50 anos depois de sua publicação inicial, sua obra continua  perturbadora e instigante. O produtor Arthur P. Jacobs também ficou fascinado com sua premissa e adquiriu os direitos de filmagem convencendo Richard Zanuck, o chefão da Fox a bancar o projeto que se tornaria um dos maiores exemplares da Ficção Científica no cinema: O Planeta dos Macacos.

Com orçamento em torno de US$ 5.800.000 e roteiro de Michael Wilson (roteirista que sofreu com a caçada anti-comunista dos anos 50) & Rod Serling (o lendário criador da série de TV Além da Imaginação), o filme só conseguiu o sinal verde para sua produção quando Jacobs filmou um teste com Charlton Heston ( escolhido desde o início para o papel principal) e Edward G.Robinson (como o orangotango Zaius). A maquiagem de John Chambers foi crucial para convencer os chefões da Fox a prosseguir com o projeto. Apesar do interesse de Blake Edwards em dirigir o filme, esta tarefa coube ao diretor Franklin J.Schaffner , trazido por Charlton Heston, com quem havia trabalhado antes em O Senhor da Guerra. As filmagens foram sofridas pelo intenso verão de 1967 e as dificuldades para o elenco símio que carregava uma maquiagem que levava 4 horas para ficar pronta e mais três horas para retirar, mas cuja perfeição a levou a um Oscar especial, já que na época a Academia não tinha ainda essa categoria de premiação. Edward G.Robinson deixou o elenco logo no início das filmagens pois seu estado de saúde não lhe permitiria suportar todos esse desgaste.

Algumas modificações, no entanto, foram feitas do livro para o filme: no primeiro, o astronauta humano Ulysse Merou viaja ao espaço e chega a um planeta dominado pelos macacos. Por ser inteligente, Ulysse torna-se uma ameaça para a ordem vigente e é caçado e torturado pelos símios, embora conquiste a confiança dos chimpanzés cientistas Cornelius & Zira que ajudam na fuga de Ulysse e Nova, sua companheira humana. A narrativa do livro é feita através do diário de Ulysse que é lançado no espaço e encontrado por dois astronautas que no final do livro se revelam como sendo macacos que encerram a história dizendo que um humano jamais poderia ser inteligente. No filme, Ulysse torna-se Taylor (Heston). Outra diferença é que no livro a sociedade símia é um espelho do mundo nos anos 50 com toda a tecnologia então a disposição, enquanto que o filme mostra uma sociedade primitiva devido a limitação do orçamento disponível. Diferente do livro, o filme coloca os orangotangos hierarquicamente acima dos gorilas. Além disso, o clássico final com Taylor aos pés da estátua da liberdade não consta no livro, sendo de autoria de Rod Serling.

O filme foi um sucesso mundial com o poder dos símios servindo de metáfora para a arrogância da raça humana, espelho distorcido de nossa própria prepotência e preconceitos como senhores do mundo. Tal leitura encontrava ecos no medo de aniquilação total produto do auge da guerra fria. Charlton Heston incorporou toda a frustração e revolta aos pés da estátua da liberdade, uma dos desfechos mais impactantes da história do cinema. A novata Linda Harrisson ficou com o papel de Nova. Ex-modelo, Linda na época estava tendo um caso com Richard Zanuck, que se divorciou de sua primeira esposa e casou-se com ela. O elenco símio venceu com louvor todas as limitações para interpretar através das máscaras, especialmente o já experiente Roddy McDowall (o Otavio de Cleópatra) que ajudou a desenvolver os gestos e expressões que poderiam se sobressair por trás da pesada maquiagem. Kim Hunter reclamava de sensação de claustrofobia quando interpretava a chimpanzé Zira, papel que chegou a ser oferecido à consagrada Ingrid Bergman, que primeiro recusou e depois se arrependeu da oportunidade perdida. Maurice Evans era ator de teatro de grande sucesso com passagens pela TV (foi o pai de Elizabeth Montgomery na série A Feiticeira) e cinema quando entrou para o elenco substituindo Edward G. Robinson.

AS SEQUÊNCIAS

Pìerre Boule chegou a escrever o rascunho de uma sequência que se chamaria Planet Of The Men (Planeta dos Homens) que se passaria 14 anos depois dos eventos do filme original. A história mostraria a retomada da raça humana e a reversão dos macacos ao seu estado primitivo. Rod Serling chegou a escrever um outro roteiro em que os humanos liderados por Taylor e Nova entram em conflito com os macacos e retomam o controle do mundo. Charlton Heston, no entanto, não estava disposto a voltar ao papel de Taylor e só aceitou com a condição de ser uma participação menor e que seu personagem morresse ao final. Com várias mudanças no roteiro estreia em 1970 De Volta ao Planeta dos Macacos (Beneath The Planet Of The Apes) dirigido por Ted Post. A história traz o astronauta Brent (James Franciscus) em missão de resgate a Taylor. Com a ajuda de Nova, Cornelius e Zira, Brent vem a descobrir Taylor prisioneiro de humanos mutantes que adoram uma bomba atômica e pretendem detoná-la. O final apocalíptico substituiu a ideia original que era Brent, Taylor e Nova fugindo da Zona Proibida e ajudando Cornelius e Zira instituindo uma nova ordem onde humanos e macacos vivem em harmonia. Roddy McDowall estava na Escócia filmando sua estreia como diretor (The Ballad of Tam Lin) e não estava disponível. Logo, seu personagem foi entregue ao desconhecido David Watson. Curiosamente, todos achavam que era McDowall debaixo da maquiagem de Cornelius.

O interesse pelos símios era enorme e a Fox realiza em 1971 Fuga do Planeta dos Macacos (Escape from the Planet of The Apes) dirigido por Don Taylor que inverte a premissa do primeiro filme e coloca Cornelius (McDowall de volta) e Zira (Kim Hunter) voltando ao passado do planeta acompanhados do chimapanzé Milo , interpretado por Sal Mineo, ator que esteve ao lado do mitológico James Dean no elenco do clássico Juventude Transviada em 1955. O terceiro filme dos macacos foi o último trabalho nas telas de Mineo que foi assassinado aos 37 anos cinco anos depois. O final do filme com o Cesar, o filho de Cornelius e Zira sendo salvo às escondidas pelo bondoso Armando (Ricardo Montalban) foi planejado de forma a gerar outra continuação. Em 1972, J.Lee Thompson dirige A Conquista do Planeta dos Macacos (Conquest of the Planet of the apes) com Roddy McDowall no papel de Cesar, prestes a liderar a revolta dos símios contra os humanos. A premissa desse filme serviu de ponto de partida para a refilmagem de Rupert Wyatt em 2011. Em 1973, Thomson ainda dirige o capítulo final da saga A Batalha do Planeta dos Macacos (Battle of the Planet Of The Apes) com Cesar (McDowall) descobrindo verdades de seu passado em meio a luta entre símios e humanos pela supremacia no mundo, encerrando o ciclo iniciado em 1968. Curiosamente, a atriz Natalie Trundy, que era casada com o produtor Arthur P. Jacobs, apareceu nas 4 sequências do filme original, com personagens diferentes: mutante no segundo filme, veterinária no terceiro e a chimpanzé Lisa nos dois últimos filmes.

O MACACO ESTÁ CERTO

O impacto cultural da obra de Pierre Boulle sobreviveu fora das telas após o quinto filme. Entre 1974 e 1977 houve uma série em quadrinhos da Marvel Comics que veio a ser publicada no Brasil pela Bloch Editores. A década de 90 e o ano de 2012 também tiveram HQs baseadas no livro de Boulle, mas que não chegaram a ser publicadas no Brasil. Em 1975 a Fox produziu o seriado Planeta dos Macacos que funcionava como um reboot para a série mostrando os astronautas humanos Alan (Ron Harper) e Peter (James Naughton) chegando à Terra dominada pelos macacos e fazendo amizade com o chimpanzé Galen, mais uma vez na pele de Roddy McDowall. A série modificava a condição dos humanos, de selvagens primitivos para seres inteligentes mas socialmente abaixo dos símios. Apesar de exibida com sucesso no Brasil onde foi exibida inicialmente pela Rede Globo,  o seriado foi cancelado com 14 episódios. No ano seguinte, a Fox em parceria com os estúdios De-Patie Freelang (o mesmo de A Pantera Cor de Rosa) produziu a série em animação Return to the Planet of the Apes que contabilizou 13 episódios. Esse segundo reboot apresentava a sociedade símia mais próxima à apresentada no livro de Boulle com o uso de carros em vez de cavalos e tecnologia mais avançada. Quem desenvolveu a série animada foi Doug Wildley, o criador do clássico Jonny Quest, dos estúdios Hanna Barbera. Em 1976, os brasileiros riram da ideia de macacos falantes na paródia O Trapalhão no Planalto dos Macacos de J.B.Tanko com a trupe de Renato Aragão ainda sem a presença de Zacarias. Na mesma época, a TV Globo se aproveitou do sucesso da saga símia e realizou o programa humorístico “O Planeta dos Homens” que durou de 1976 a 1980 reunindo Jô Soares, Agildo Ribeiro, Milton Carneiro, Paulo Silvino, Berta Loran, Miele e grande elenco que também incluía Orival Pessini como o macaco Sócrates, que sempre tinha um comentário irônico a respeito da realidade brasileira naqueles tempos de ditadura militar. A abertura do programa era icônica com Sócrates descascando uma banana e vendo surgir uma bela mulher de biquíni, que depois foi trocado por um maiô por imposição da censura vigente na época.

AS REFILMAGENS

A Fox planejava uma refilmagem do filme de 1968 desde os anos 90 e chegou a ter o diretor Oliver Stone e o ator Arnold Schwarzenegger ligados ao projeto que não foi para frente. Em 2001, Tim Burton dirigiu afinal a refilmagem do filme original com resultado que desagradou ao público em geral, ainda que se propusesse a se aproximar mais do romance de Pierre Boulle. No elenco, Mark Walbergh, Helena Bohman Carter, Tim Roth, Michael Clarke Duncan e as participações especiais de Charlton Heston e Linda Harrison. O filme foi planejado para ter uma sequência e o elenco chegou a assinar os contratos em antecipação, mas o péssimo resultado fez a Fox desistir. O Planeta dos Macacos de Burton chegou a ganhar o Framboesa de Ouro de pior remake ou sequência, contribuindo em muito ao desprestígio do filme.

Não desistindo de retomar a franquia a Fox teve melhor resultado quando decidiu por uma prequela, ou seja, um prelúdio para o filme de 1968 atualizando a história. Em Planeta dos Macacos – A Origem (Rise of the Planet of the Apes) sai a ideia de guerra nuclear e entra a engenharia genética como justificativa a evolução dos símios e o fim da espécie humana. O filme de Rupert Wyatt com James Franco e Andy Serkis como o macaco Cesar faz uso da tecnologia digital para dar vida ao romance de Boulle. O resultado foi bem sucedido ao ponto de ter ao menos uma trilogia garantida à frente.

A maior virtude do romance de Boulle é provocar a reflexão de nosso papel como raça dominante. Os símios funcionam como reflexo de nossa prepotência, nosso preconceito e ambições que nos leva a uma triste constatação, já reforçada por Darwin: Somos todos macacos !!

(por Adilson de Carvalho Santos)

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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