A Liberdade na Estetica de Escrever

O Inventor da Eternidade traz um constante espetar politico e historico para dentro do lirismo estetico de Liberato

28/02/2023 04:03 Por Eron Duarte Fagundes
A Liberdade na Estetica de Escrever

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Ao longo dos anos, escrevendo muitas crônicas para jornais, Liberato Vieira da Cunha tem exercitado sua liberdade na edificação duma estética de escrever. O choque de sua prosa de densidade poética (simulando a superficialidade ou descompromisso das observações cotidianas) posta ao lado dos textos jornalísticos que se inserem junto destas crônicas de exceção, chamava a atenção por essa coexistência estranha, o escritor de exigências (Liberato) e o texto comum do jornal, sem criação ou pessoalidade. As relações entre literatura e jornalismo têm sua simbiose na arte de Liberato: uma literatura sem pompa e criativa. Seus romances (foram três até o momento) não deixam de ser extensões desta inquietações, o universo ficcional de Liberato é em muitos aspectos habitado pelas crônicas que escreveu, objetividade e poesia coabitam as narrativas longas do autor. Com o tempo, o ficcionista depurou estas tensões em que se reparte sua forma de escrever. Em sua terceira investida na ficção, O inventor da eternidade (2022), Liberato reinventa-se e propõe, desde o título de sua história, a essência da arte como uma invenção, o que se inventa é a eternidade.

Santelmo Cimbres, o professor de estética que numa manhã de 1984 é demitido da universidade às expensas do regime autoritário então agonizante, e, naquela confluência histórica do país, tensa e ambígua, vai ter de embarcar em seu Ford Corcel, sumir por aí e vai dar num esconderijo chamado Quinta do Torreão, como nos tempos mais ásperos da resistência à ditadura militar instalada vinte anos antes. Para além da personagem central da trama, Santelmo poderia ser o próprio usufrutuário estético do livro que Liberato põe diante do leitor, afinal esta personagem é professor de estética, e literatura é um dos modos da estética também, e pode-se imaginar uma personagem que sai do livro para  examinar a este livro. Santelmo olha uma tela (uma pintura). No discurso usado por Liberato o leitor acompanha o narrador confundindo sua palavra com o pensamento da personagem: “A composição lhe pareceu tão absolutamente viva e perfeita que ele se perguntou se não seria realmente a invenção da eternidade.” Sua acompanhante, Beatrice, lhe aconselha, agora já no discurso direto: “—Pode pronunciar essas frases em linguagem de gente?” Ele se esforça na tradução. O leitor de O inventor da eternidade volta atrás no texto e compara. Como achar melhor forma para a sensação que aquela tirada de Heráclito: “Todas as coisas procedem de uma, e essa uma está em todas as coisas.” Há conceitos que se fundem em determinadas linguagens, que não admitem substituições ou traduções para a linguagem de gente.

O inventor da eternidade traz um constante espetar político e histórico para dentro do lirismo estético de Liberato (que muitas vezes tem aspectos fugidios e até secretos). No entanto, não se trata dum romance político, ainda que se cerque das circunstâncias políticas. É como se estivéssemos dentro dum porão, navegando em nossos fantasmas emocionais e doentios (Santelmo ama na calada dos dias em seu retiro a Beatrice mas tem uma doença terminal), e entre os sucessos daqueles dias escondidos e íntimos pudéssemos espiar por uma fresta, dando com uma luz duma espécie de trovão que iluminasse certos momentos de atmosfera penumbrosa. Em 1984, onde se passa a história contada, como agora, quando o romance vem à luz, nestes gestos finais de 2022, um ano que teve lá suas perversidades.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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