A Realidade Relativa
Blow Up (1967), do italiano Michelangelo Antonioni, relançado agora nos cinemas brasileiros, revela sua inesperada atualidade
Num tempo em que a imagem eletrônica se tem tornado cada vez mais fundamental (basta pensar no tele-árbitro que está começando a ser implantado em jogos de futebol), Blow up (Blow up; 1967), do italiano Michelangelo Antonioni, relançado agora nos cinemas brasileiros, revela sua inesperada atualidade. É pena somente que o estilo de filmar exigente de Antonioni pode estabelecer uma barreira entre o filme e o observador interessado nestes aspectos, simplesmente pela impaciência com a lentidão da montagem. De que fala Blow up? Ou melhor: que diz? Diante das possibilidades de revelação duma imagem à medida que vai sendo dissecada, a realidade observada diretamente pelo olho do homem vai-se tornando relativa.
Extraído duma história do escritor argentino Julio Cortázar, Blow up tem uma trama que se presta para a discussão muito à Antonioni sobre o olhar, que é a base do cinema. Antonioni já disse em algum lugar que, quando não tem nada para fazer, se põe a olhar. Ou seja: nas horas vagas Antonioni está ensaiando seus filmes, que são olhares para o mundo. O centro de Blow up são as atividades dum fotógrafo, que não deixa de ser um sub-ego do cineasta —qualquer fotógrafo de qualquer cineasta. O fotógrafo do filme acaba fotografando um casal em rixa num parque —provavelmente amantes vivendo um amor escondido. A mulher fotografada se exaspera, vai atrás do fotógrafo e exige que ele lhe entregue as fotos. Ele lhe entrega o rolo falso. Ao revelar o rolo verdadeiro, põe-se a observar as imagens com uma lupa e vislumbra na saída duma moita uma arma apontada para o campo do parque; houve um assassinato, que a olho nu nem o fotógrafo nem o espectador viram. Esta relatividade ou ambiguidade do primeiro olhar Antonioni já exercitara em O grito (1957), quando uma personagem cai (ou se joga) do alto duma escada.
O começo e o fim de Blow up se identificam: uma caminhonete carregando barulhentos jovens da época, os turbulentos anos finais da década de 60 do século passado — jovens meio mascarados, meio maquiados— está tanto no início quanto no término da narrativa. O aspecto circular de um dia comum do fotógrafo, tornado incomum por ter fotografado um crime, é transcrito com precisão de linhas pela genialidade de Antonioni.
Na verdade, Blow up adota certas superfícies visuais que se abrem mais, estão menos tensamente dramáticas que aquelas imagens de sua imbatível trilogia da incomunicabilidade; ainda assim, não oculta a inaudita profundidade de filmar de um dos grandes realizadores que no cinema se interessaram pela alma humana.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br