Tarantino: Novamente Libertando o Cinema

É impressionante a forma como o cineasta norte-americano Quentin Tarantino, a cada filme, liberta o cinema de suas amarras!

09/08/2013 00:40 Por Eron Fagundes
Tarantino: Novamente Libertando o Cinema

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É impressionante a forma como o cineasta norte-americano Quentin Tarantino, a cada filme, liberta o cinema de suas amarras: tanto as amarras comerciais quanto as amarras intelectuais. Cuido que, daqui a algumas décadas, quando boa parte dos filmes que hoje nós amamos, sofrerão a ação do tempo, mofando, talvez todos os trabalhos de Tarantino estarão vivos e provavelmente serão vistos como obras-primas exemplares de uma época muito doida e terrivelmente violenta.

Django livre (Django unchained; 2012) é uma nova amostra de como este realizador, escavando em mestres como o italiano Sergio Leone e o americano Sam Peckinpah e em tantas outras realizações obscuras que seu cérebro de investigador cinematográfico topou, se renova e renova o cinema em cada filme, não deixando rastros passadistas, permitindo que a originalidade libertária se erija nas narrativas. É curioso observar que esta liberação estética de Tarantino (incompreendida muitas vezes até por seus admiradores) corresponde ao tema que ele aborda com uma explosão cinematográfica inaudita, a sociedade escravocrata americana do século XIX; para falar da escravidão nos Estados Unidos, Tarantino não se entregou a resenhas históricas maçantes e duvidosas mas se tocou duma raiva negra que se incrusta na linguagem cinematográfica como poucas vezes se viu. Costuma-se dizer que Tarantino trata da vingança e do ódio; não são, todavia, estes sentimentos comuns que topamos no dia-a-dia e que qualquer diretorzinho pode objetivamente tratar em Hollywood, a vingança e o ódio no cinema de Tarantino são proposições de estética cinematográfica que na verdade ninguém alcança destes dias que correm. É também um pouco a raiva contra a mediocridade reinante: ufa, enfim há vida inteligente no cinema comercial americano.

Porque Django livre não deixa de ser um filme da indústria, que pode ser apreciado pelo grande público. Como já era Bastardos inglórios (2009), cuja estrutura paródica se repete em Django livre, aqui todavia com uma dinamite criativa muitas vezes maior. O mesmo não se dirá de À prova de morte (2007), que traduzia algumas aventuras mais complexas para a plateia habitual. Django livre não deixa de ser um filme complexo, mas resolve sua complexidade antes de chegar  ao observador.

Jamie Foxx é o astro negro  que conduz a ação vingativa em Django livre, ao lado de Christoph Waltz na pele dum alemão caçador de recompensas pelo interior americano. Surge também Leonardo DiCaprio, extraordinário na pele dum senhor de escravos com que, matreiramente, os dois caçados tentam em vão sua negociata. Os balés de sangue da parte final do filme (especialmente o primeiro balé, onde a personagem de Foxx é temporariamente apanhada) são um luxo de execução cinematográfica que elevam Django livre a uma categoria soberba dentro do cinema do século XXI. Tarantino chega a expor-se como ator no papel de um dos homens duma construtora a quem Foxx foi entregue após sua captura; isto lembra um pouco o próprio Tarantino numa aparição amical em Sukiyaki western Django (2007), do japonês Takashi Miike.

Há várias brincadeiras feitas com ímpeto genial por Tarantino. As referências às origens negras do romancista francês Alexandre Dumas. A Ku KLux Khan de pastelão zombada pela força do cineasta. E, acima de tudo, paira a forma como a violência da ação propõe aquilo a que já aludi antes, a raiva estética, e esta raiva estética é o próprio nervo da linguagem cinematográfica, senão a própria linguagem. Poderíamos pensar nas energias de imagem da poesia do francês Charles Baudelaire para caracterizar o cinema de Tarantino e o diferenciar de outras coisas assemelhadas que se fazem hoje nos Estados Unidos.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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