Memoria REF - Eramos Seis

Veja nesta entrevista de 2001 como foi o trabalho de REF na co-autoria da Novela Eramos Seis, adaptada novamente agora pela Globo. Rubens conta muitas curiosidades e nos brinda com um texto delicioso, cheio de revelaces.

30/09/2019 19:39 Da Redação
Memoria REF - Eramos Seis

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- Como era dividido o trabalho entre você e Sílvio de Abreu durante “Éramos Seis”? Faziamos o roteiro de um filme e estávamos atolados de saco cheio em fazer concessão ao produtor que queria mais sacanagem quando o Sílvio disse: podíamos fazer novela... Eu parei, mas como? E Silvio falou de sua experiência como ator e assistente de muita gente boa (Abujamra acho que sete anos, Manga, enfim ele foi construído sua carreira passo a passo). Nunca tinha pensado muito no assunto e confesso que mal tinha visto uma novela inteira em toda vida... Novamente entra a Irene Ravache em cena ajudando (assim como quando conheci o Sílvio). O Sílvio estava rodando A Árvore dos Sexos, então fui eu quem fui com ela a Tupi oferecer para escrevermos novela. Fui bem recebido pelo Rildo Gonçalvez, naquele momento diretor das novelas... Ele sugeriu que fizéssemos a proposta e voltássemos... É curioso que eu era muito tímido, mas não teve jeito tive que enfrentar as feras... na cara dura... O engraçado é que quando voltamos já havia mudado o diretor, coisa comum na Tupi e já havia sido substituído pelo Roberto Talma. Este foi ainda mais simpático, para cima e confirmou o pedido de projetos. Desta vez fomos super-rápidos e voltamos em dez dias, coisa assim. Era bom que Talma namorava na época a Joana Fomm que era grande amiga minha e o assistente dele era o Abujamnra que era grande amigo do Silvio... Isso tenha certeza que ajudou porque eles fizeram a cabeça do Talma. Ele pegou o primeiro papel que mostramos que era uma novela chamada O Acidente, sobre um avião que caia na floresta amazônica, só que contado em três tempos, presente (na investigação e na selva, na luta para sobreviver) e flash backs, e ainda no passado anterior (como cada um chegou a viagem de avião). Tinha um pouco já de Lost, sem o delírio da série. Mas não sabíamos direito o que sucedeu até o final. Ele amou e aprovou e mandou a gente ser contratado. Mãos à obra e basicamente foi o Sílvio quem escreveu os primeiros dez capítulos. Quando fomos levar lá, já tinha caído o Talma (que apesar de tudo leva a honra de nos ter descoberto) e substituído pelo veterano mas querido Henrique Martins (ótimo ator e diretor). Um cara chamado de alemão, muito boa pessoa que com calma nos disse, olha vocês já estão contratados então é melhor partir logo para escrever com vocês (como era praxe na Tupi, não tínhamos assinado contrato, mas já tínhamos recebido um mês, sinal de compromisso trabalhista).

Voltamos para casa, remexemos nas ideias, porque O Acidente seria difícil demais para a Tupi, sem dinheiro, fazer e pensamos num texto que os dois amávamos, que era Éramos Seis (levamos outras, mas foi esta que apresentamos com mais vigor). Henrique topou na hora.

Não houve problemas na escalação da novela, e durante todo o tempo, fazíamos o tira bom e o tira mal, ele reclamava, eu tentava apaziguar, porque eles tinham a maior boa vontade, queriam fazer o melhor possível, mas as vezes faltava dinheiro... ou tempo... enfim, era uma TV em crise permanente. Mas todos fizeram Éramos Seis com enorme amor e carinho... Não se pouparam e fomos muito atrevidos, desafiando a censura, tivemos que ir lá em Brasília e nos confessaram que era duro cortar porque era tudo seguindo a história... não dava... mas os censores também eram fãs e queriam saber o final! Aliás, só depois ficamos sabendo que a Tupi usava um truque, ela não cortava para São Paulo ou Rio, apenas em Brasília, já havia que havia defasagem entre as cidades... porque os capítulos ficavam prontos em cima da hora....ou seja, assim burlavam a lei e passaram a novela toda por aqui na integra, falando coisas muito fortes. Numa época em que não tinha ainda havido a liberação na ditadura. Nem sei como conseguimos fazer isso. Outra coisa, fui eu que fiquei com a missão de relatar as coisas para a autora do livro Sr. Leandro Dupré, Maria José, um encanto de dama, finíssima, mas que estava começando a ficando com Alzheimer ou coisa que valha, na época não existia essa doença... E nos ligava querendo saber da história porque obviamente mudamos muito, acrescentando personagens, alguns só usamos o nome... mas ao mesmo tempo fomos os mais fieis possíveis, não fomos mais por causa do episódio de Strazzer... falando de mim, o que eu tinha de bom para a dupla era a memória dos filmes, ou seja, em determinada situação sabia de cabeça como seria a briga, ou discussão, ou seja a enciclopédia de cinema ajudava a resolver cenas e lembrar coisas. E o mesmo gosto, permitia isso de 15 dias cada um (o final foi o Silvio novamente que concluiu). O Silvio sempre dizia que meu personagem por excelência na novela era a Adelaide feita para Carmen Monegal (foi escrito especialmente para ela que era casada com o Ricelli na época e minha amiga), era revolucionaria, intelectual, feminista, metida... hehe...

 

- Quais eram as maiores dificuldades de se produzir uma novela na Tupi?

Todas que pensar... não tinha grana, pagavam todos com dois meses de atraso, mas sempre mantendo isso, ou seja, você se programava. Mas como disse era ótimo de trabalhar, ninguém interferia, a gente fez o que quis! A escalação foi nossa e o Sílvio com a experiencia dele foi fundamental, Nicette era grande amiga, Guarnieri ele escalou para levantar o padrão da novela, Ricelli e Strazzer eram amigos meus e ele gostava, Ewerton era bom ator, Maria Isabel funcionava bem. Nydia Lícia era amiga nossa dos dois na Cultura e chamamos ela de volta depois de anos e foi a última coisa que fez em televisão... o diretor era pau para toda obra, brigávamos um pouco, mas era boa pessoa... hoje acho que está em Portugal... o elenco de apoio era ótimo e a novela custou um pouco a pegar, pouco digo duas ou três semanas. Toda a primeira parte o Sílvio escreveu sozinho e depois me passou dizendo que eu tinha que aprender e me virar hehehe na boa, claro... ele tinha razão. A questão é a seguinte, a gente se dava tão bem que não houve problemas como ele tinha que terminar o filme, fazer a montagem resolvemos dividir quinze dias para cada um, o que ajudava muito. Eu também fazia a pesquisa porque a novela mostrava o cotidiano da cidade, rigorosamente dia a dia, eu ia ao arquivo do jornal O Estado de S. Paulo, como eu trabalhava no Jornal da Tarde eu tinha acesso e pegava noticinhas... por exemplo um crime que sucedeu e foi esquecido... a família depois veio se queixar que a gente ressuscitou o fato... mas tudo que eles comentavam era rigorosamente verdade e naquele dia em que se passava a história, então eu ia e pesquisava e passava para ele usar... ninguém notava a diferença entre os dois... como o Sílvio gostava mais de certas coisas, eu de outras, mais políticas, acabei ficando com as partes de passeata e que tais. Que ele não curtia ou entendia especialmente. Fui onde eles iriam rodar a revolução, pesquisei em livros e em detalhes o MMDC e os gritos de ordem eram os mesmos que usavam contra a ditadura hehehe, mas o Sílvio foi fundamental na estruturação dos personagens e cenários, sendo que dali em diante deu para seguir aquela base que era solida... claro que descobrimos muita coisa também no decorrer, como não escrever nunca mais personagens que não evoluem... fizemos uma personagem que era doente mental e por isso ia ficar assim para sempre, não teve jeito e acabamos mexendo nisso, ela se cura de uma trauma e melhora (era a filha da Tia Emilia)... enfim, foi um aprendizado também para nós e em especial para mim... Além da mão de obra de sempre hehehe...

 

- Durante “Éramos Seis”, o ator Carlos Augusto Strazzer foi solicitado para protagonizar outra novela. Como vocês solucionaram esse impasse?

A Ivani Ribeiro queria o Strazzer para fazer O Astro... Era ele ou Ricelli... tínhamos que sacrificar um dos dois. Falamos com os atores, ambos são pessoas amigas e legais (o Strazzer claro que saudoso) e achamos melhor liberar o Strazzer porque ele ia para a revolução mesmo, inventamos então que ele seria um mártir no MMDC, aquele que a história não registrou. E passamos a função dele para o Ricelli que era o filho rebelde o Alfredo, que iria ficar no fim (a última parte da novela abrange também uma continuação pouco conhecida do livro, chamado Dona Lola, onde pouco sucede mas o filho volta desiludido para casa, ou seja, fizemos de outro livro ainda).

 

- Qual a importância de “Éramos Seis” para a teledramaturgia nacional?

Ainda acho injustiçada, porque era uma grande novela e na estreia não ganhou nada. Só foi reconhecida na refilmagem, aí sim levamos o APCA e o Imprensa.

 

- Quando você adaptou a novela para o SBT, chegou a conversar com o Silvio Santos? Como foi esse processo?

Sim, claro, porque ele tinha que vender a parte dele também. O SBT me procurou para conversar com o Silvio Santos e eu o fiz e convenci a comprar o texto... Chamei o Silvio Santos e ficamos horas discutindo, o Sílvio Abreu não queria vender por lealdade a Globo... mas depois de muita, mas muita insistência (na casa do Sílvio no Morumbi) finalmente concordou. Ele não podia colaborar diretamente por causa desse laço com a Globo, mas trocamos ideias no começo, mas algumas coisas a emissora me pressionou, pedindo uma abertura na novela com uma procissão e Irene falando diretamente para a câmera. Foi por isso que inventei um final, a cada capitulo o personagem falava diretamente para a câmera, falando de si, se explicando... o que era inovador, mas a crítica logicamente não percebeu nada, hehehe, foi influenciado por um filme do Bergman e um pouco pelos Waltons. Mas ao menos me deixaram escalar o elenco da novela quase todo... só ao final é que foram me cortando e me tirando o poder (antes disso o Silvio Santos tentou mandar mexer na segunda semana da novela, mas eu ameacei se mexer, saio e boto a boca no trombone), acabaram deixando e queriam mais crianças porque elas estavam dando certo... o Silvio queria novelas prontas mas nem assim percebeu que não dava para mexer muito... ainda assim, alguns personagens tiveram outro destino (a irmã que namorava homem desquitado agora ficava com ele até por pressão do público). De qualquer forma foi grande sucesso e a melhor do SBT que nunca conseguiu repetir o êxito com outra.

 

Entrevista realizada por Raphael Scire em 2011. Reprodução parcial.

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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