A História do Cinema: Os Cem Primeiros Anos Parte 2

Na segunda parte da matéria, vamos detalhar o sistema de Estúdios na chamada Idade do Ouro de Hollywood

26/11/2014 12:31 Por Rubens Ewald Filho
A História do Cinema: Os Cem Primeiros Anos Parte 2

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Hollywood e o Sistema de Estúdios

 

Hollywood era uma região de Los Angeles que acabou simbolizando toda a indústria do cinema americano. A partir de 1912, os produtores de cinema começaram a se mudar para a região oeste dos EUA por várias razões: para escaparem das brigas pelas patentes, da censura imposta pelas autoridades de Nova York, mas, principalmente, por que no oeste chovia muito pouco e havia sol constante e paisagens diversas, o que possibilitava a rodagem das fitas sem ter que sair do estado. O lugar também foi escolhido porque ficava perto da fronteira mexicana (para onde podiam fugir em caso de problemas). A paisagem permitiu também a rodagem de faroestes de grande popularidade (com astros como Tom Mix, Bronco Billy e William Hart) e, nas cidades, as comédias de pastelão. O fato é que deu certo e Hollywood passou a ser mais um estado de espírito do que um local.

 

 

Não se sabe quem foi o publicitário que teve a ideia de criar o termo Star (Astro ou Estrela) para designar os atores de cinema famosos (o ator chega ao status de Star, quando o seu nome aparece antes dos letreiros do filme. Este fato provoca brigas, especialmente quando dois astros famosos fazem um filme juntos, discutem o tamanho das letras e qual o nome vai aparecer primeiro nos letreiros e cartazes). Mas, certamente nasce de uma alegoria, onde a indústria do cinema é um céu estrelado com diversas estrelas de diferentes magnitudes. Uma metáfora que foi abraçada pela própria indústria (a Metro, o maior dos estúdios, dizia ter mais estrelas do que o céu).

Inicialmente, os produtores eram relutantes na escolha dos atores de um filme, porque tinham certeza de que se tornassem famosos, eles pediriam mais dinheiro. A imprensa se encarregou de identificá-los ao público que os abraçou como ídolos. Já se disse que como nos Estados Unidos não existe realeza, então os astros de cinema assumiram esse papel na sociedade, como modelos de comportamento, moda, beleza, perfeição etc. Criou-se uma mitologia em que esses atores famosos viviam numa espécie de Olimpo (a morada dos deuses, segundo a mitologia grega), como semideuses, diferente dos meros mortais.

Como num Conto de Fadas, uma pessoa desconhecida poderia ser descoberta tomando sorvete, contratada por um estúdio e se tornar uma estrela rica e famosa (como diz a lenda, sucedeu-se com Lana Turner, encontrada na Schwabbs, em Hollywood). Os primeiros grandes astros ajudaram muito a formar esta mitologia, com Douglas Fairbanks (astro de fitas de ação e capa-espada, na vida real um autêntico atleta) e Mary Pickford (especializada em papéis de menina ingênua). Casados na vida real, compraram uma mansão chamada Pickfair (inicial dos nomes deles), onde recebiam príncipes, nobres e chefes de estado do mundo inteiro. E numa época, onde a comunicação entre os povos era mais lenta, figurinos serviam de modelo para a moda no mundo inteiro.

O importante é que por causa dessas estrelas, criou-se o chamado Star-System (o Sistema de Estrelas). Os produtores se organizaram em estúdios que eram basicamente grandes fábricas de fazer filmes. Tinham grandes galpões para as filmagens (os estúdios, propriamente ditos), protegidos de ruídos externos, com ar condicionado, grande altura para se poder construir cenários gigantescos e tudo o mais que fosse necessário. Por que filmar em estúdio? Porque só assim se tem o controle absoluto do tempo, da luz e das condições. Numa filmagem exterior, o tempo pode mudar a cada minuto (chove, faz sol, os rios mudam, a floresta cresce), o que provoca perda de tempo e prejuízos, já que não se pode ter continuidade (num plano, o céu pode estar sem nuvens, no seguinte, que seria rodado alguns minutos depois, carregado de nuvens). Assim, eles optaram por recriar tudo em interiores, onde poderiam inventar o que desejassem. Tinham também uma infraestrutura para se construir cenários (sets) impecáveis, com marcenarias, serralherias e serrarias próprias. Além de um estoque de material (tudo o que era utilizado num filme poderia ser reaproveitado em outro, criando um acervo monumental).

Um estúdio tinha como contratados, toda uma equipe fundamental: maquiadores, cabeleireiros, roteiristas, diretores, cenógrafos, coreógrafos, músicos, compositores, cantores, bailarinos, etc. Todos ganhando semanalmente um salário (nos EUA é costume o pagamento ser semanal) que poderia ser aumentado anualmente ou a cada renovação. Mas, era um sistema complicado porque o estúdio tinha o direito de renovação. Ou seja, um contratado não podia pedir demissão ou aumento, o estúdio é quem decidia se queria ficar ou não com o empregado. E esse contrato nunca tinha menos de sete anos.

Com o tempo, começou a ser contestado nos tribunais a legalidade deste tipo de contrato, que mais parecia uma prisão. Ainda mais porque quando alguém recusava um trabalho (um roteiro que certamente seria fracasso), era suspenso, não recebia pagamentos e o tempo que ficasse parado seria acrescentado ao contrato, ampliando-o. Estrelas, como Bette Davis e Olivia de Havilland, brigaram contra este tipo de tratamento e acabaram ganhando, depois de muita luta. Esse contrato de sete anos era para todos, mas principalmente para os atores, que muitas vezes eram descobertos no palco, ou mesmo através de fotografias, submetidos a testes e só eram contratados se aceitassem esse tipo de semipressão. O estúdio poderia obrigá-los a fazer o filme que desejasse (os rebeldes podiam ser castigados com fitas inferiores que diminuiriam o seu prestígio). Em troca, o estúdio cuidava de tudo: treinava o ator, dando-lhe aulas de equitação, esgrima, dança, canto, voz e arte dramática. Mandava fotografias dele à imprensa (de graça), que as publicava regularmente. Emprestava roupas, arrumava encontros publicitários, transformava um desconhecido em um grande nome internacional. E, ainda por cima, abafava algum escândalo que ele tivesse cometido.

Este sistema de estúdios vigorou de meados dos anos vinte até o começo da década de sessenta, justamente a chamada "Idade de Ouro" de Hollywood.

 

 

Os Estúdios

Em 1917, a produtora Famous Players se uniu com a Paramount, nascendo a primeira "Major" - o primeiro grande estúdio que levou o nome de Paramount e tinha como chefe Adolf Zukor (1873-1976). A segunda, seria a Metro Goldwyn Mayer, formada a partir da Metro Pictures (do exíbidor Marcus Loew), que se fundiu com a Goldwyn Pictures (de Samuel Goldwyn que, logo depois, saiu da sociedade e acabou se tornando um dos principais produtores independentes de Hollywood), chamando para dirigir o novo estúdio Louis B. Mayer (1885-1957), que seria o chefe de produção e responsável pelo estúdio, até começo dos anos cinquenta. Nasciam assim, os dois primeiros grandes estúdios, cada um deles com características diferentes.

Metro Goldwyn Mayer

Já falamos de sua origem. Sob a direção de Louis B. Mayer, a Metro era a Globo de seu tempo. Tinha as estrelas mais famosas, as instalações mais luxuosas (hoje em dia, seus estúdios são ocupados pela Sony Columbia, em Culver City), fazia os filmes de maior prestígio e empenho. Mayer gostava de filmes para a família e que defendessem os bons valores e senso comum (como as fitas da família de Andy Hardy-Mickey Rooney - extraordinariamente populares nos anos quarenta). Ele gostava de aventura ingênua (era o estúdio do Tarzan, feito por Johnny Weissmuller, e da Jane, de Maureen O'Sullivan, sem esquecer da chimpanzé, Chita), era anglófilo (gostava de tudo que era inglês, para isso contratava estrelas inglesas, como Greer Garson e Deborah Kerr), adorava musicais (e a Metro fazia os melhores de sua época: alguns operísticos, sob o controle de Joe Pasternak, que lançou Jane Powell e Kathryn Grayson; outros, pura opereta, com a popularíssima dupla Jeanette MacOonald e Nelson Eddy; outros, para jovens, com Rooney e Judy Garland; e até os de balé aquático com Esther Williams). Mas, o melhor produtor de musicais era Arthur Freed (1894-1973), que reuniu em torno de si os maiores diretores, como Vincente Minnelli, Stanley Donen e Charles Walters; compositores, como Cole Porter e o próprio Fred, que é o autor da trilha de Cantando na Chuva; e, principalmente, atores-dançarinos-cantores, como os geniais Fred Astaire e Gene Kelly, além de Judy Garland, Cyd Charisse, Debbie Reynolds, Howard Keel etc.

Também na Metro se fazia comédia anárquica (Irmãos Marx, depois Red Skelton, O Gordo e o Magro/Stan Laurel e Oliver Hardy), filmes românticos (Greta Garbo, a Divina, era exclusiva do estúdio), dramas femininos (Joan Crawford, Norma Shearer), comédias sofisticadas (como as da série Thin Man - no Brasil, Os Acusados - com William Powell e Myrna Loy). Era o estúdio do chamado Rei de Hollywood (Clark Gable, que adquiriu o título numa votação pública e o título pegou), da cachorra Lassie, de Elizabeth Taylor, Wallace Beery, da dupla Spencer Tracy e Katharine Hepburn, do astro do cinema mudo Lon Chaney. Curiosamente, não produziu E o Vento Levou, apenas o distribuiu, por causa da presença de Gable. O responsável pelo filme foi Oavid O. Selznick. Seu símbolo célebre é o leão rosnando com o emblema Arts Gratia Artis (A Arte pela Arte).

A partir de 50, caiu Mayer e entrou Moss Hart, mais intelectualizado, procurou temas mais difíceis. A concorrência com a televisão ficou forte demais em meados da década, e a Metro foi forçada a dispensar o seu elenco. Sobreviveu até o começo dos anos 70, quando foi comprada por Kirk Kerkorian, que teve a infeliz ideia de investir em hotéis em Las Vegas e liquidou seu acervo, vendendo em leilão o passado ilustre. Os filmes da Metro foram vendidos para Ted Turner, que os relançou em vídeo e em seus canais a cabo (nos anos noventa, eles passaram para a Warner como parte da fusão da Turner com a Warner). A Metro se fundiu com a falida United Artists e continuou a produzir, ainda que com menos regularidade, frequência e sucesso. A Metro de hoje nada tem a ver com o seu passado. Embora sua marca seja muito forte, a ponto da Disney tê-la comprado como franchising, quando abriu um estúdio para turistas na Flórida, nos anos 80. A Metro teve ainda a participação do produtor Irving S. Thalberg (1899-1936) que, apesar da vida breve, criou um padrão de excelência na produção, de tal forma que o prêmio para produtores na Academia de Artes e Ciência de Hollywood, hoje, leva o seu nome. Casado com a estrela Norma Shearer, Irving supervisionava os filmes mais ambiciosos do estúdio até sua morte.

 

 

 

 

A Paramount (Pictures Corporation)

O estúdio tem como símbolo a montanha gelada e, hoje, pertence ao conglomerado Viacom (do qual fazem parte também a MTV e as locadoras Biockbuster). Foi basicamente uma criação de Adolph Zukor, que começou com cinema de feira (nos chamados Nickelodeon, onde você via filmes por um nickel, dez centavos) e fotografando peças teatrais (inclusive, com Sarah Bernhardt, a mais famosa das estrelas do palco). A Paramount sempre teve um ar europeu sofisticado, servindo de lar para imigrantes da Áustria e Alemanha, muitos deles judeus.

Produzia entretenimento sofisticado, com ênfase em estrelas como Marlene Dietrich (que veio da Alemanha junto com o seu mentor, o diretor Josef Von Stemberg; era para ser rival de Garbo, mas virou um mito próprio, numa série de fitas de grande beleza, a partir de O Anjo Azul); Rodolfo Valentino (italiano de nascimento, foi o primeiro grande ídolo romântico - o latin lover, amante latino - que morreu prematuramente em 1926, aos 31 anos); a dupla Bob Hope (comediante) e Bing Crosby (cantor ou crooner, altamente popular) que fez uma série de comédias, chamada “Road To” (Estrada para ... ); trazendo sempre Dorothy Lamour (famosa por seu tipo exótico e seus sarongs); Alan Ladd (louro, baixinho e que fazia tipo durão em fitas policiais, geralmente, em dupla com Veronica lake, que ficou famosa pelo cabelo louro caído na testa de um só lado, que foi super popular nos anos 40); musicais, com Maurice Chevalier e outras fitas sofisticadas, dirigidas pelo mestre do gênero Ernest Lubitsch e, depois, por seu sucessor e aprendiz, Billy Wilder (na Pararnount, foi roteirista e também fez clássicos, como Crepúsculo dos Deuses/ Sunset Boulevard).

Também era a casa de Cecil B. De Mille, o mais eficiente realizador de super espetáculos, em geral, bíblicos, de Claudette Colbert, Fred MacMurray, do começo dos Irmãos Marx etc. Comprada nos anos 60, pelo conglomerado GulflWestern, conseguiu manter uma dose de filmes famosos (Os Chefões, Love Story, Indiana Jones, Grease e Top Gun), se firmando como um dos estúdios mais estáveis de Hollywood.

 

 

 

 

United Artísts (Corporatíon)

Formada em 1919, pela união de um diretor (Griífith), um comediante (Chaplin) e dois astros (Pickford e Fairbanks) como Artistas Unidos, com a intenção de distribuir seus próprios filmes e de outros independentes, como Sarnuel Goldwyn e David Selznick. Em meados dos anos vinte, Joe Schenck foi trazido para dirigir a companhia e, com ele, vieram outros atores (Valentino, o comediante Buster Keaton, Gloria Swanson) e produtores (como Howard Hughes, que fez Scarface, Anjos do Inferno). Teve problemas de produção nos anos trinta e quarenta, mas se recuperou com o cinema independente dos anos cinquenta, com a ajuda dos Irmãos Marx, abrigando cineastas e atores que desejavam maior liberdade, distribuindo filmes como As Aventuras de Tom Jones, Sete Homens e um Destino, Um Estranho no Ninho, Rocky, as fitas de James Bond etc. O estúdio literalmente faliu e foi forçado a se unir a Metro, depois do fracasso de O Portal do Paraíso (Heaven's Gate, 80), um faroeste massacrado pela crítica. Era o único estúdio que não tinha uma linha ou característica própria, nem mesmo uma marca ou um logotipo notável. Apenas abrigava produtores independentes, em busca de liberdade, mais ou menos como acontece hoje em dia em quase todos os estúdios.

 

 

Universal Pictures

Fundado em 1912 por Carl Laemmie, um exibidor que virou produtor, teve prestígio como Universal City, abrigando filmes famosos de Eric Von Stroheim, Valentino e Lon Chaney. Em 1920, produziu o vencedor do Oscar Sem Novidade no Front, depois ficou famosa como a "casa dos monstros", por ter feito os marcantes filmes de Drácula (com Bela Lugosi) e Frankenstein (com Boris Karloff), ambos no começo dos anos trinta (o estúdio registrou a maquiagem dos personagens e hoje ninguém pode usa-Ia sem pagar à Universal). Mas, Laemmie perdeu o poder e o estúdio empobreceu, fazendo fitas de baixo custo e estando sempre à beira da ruína. Foi salvo várias vezes pelos musicais operísticos da jovem Deanna Durbin; pelas comédias dos popularíssimos humoristas vindos do rádio, a dupla Budd Abbott e Lou Costello; pelas comédias de Francis, o Mulo Falante com Donald O'Connor.

No começo dos anos 50, a Universal Pictures foi a primeira a fazer acordos com astros, dando-lhes participação na bilheteria e liberdade criativa, principalmente para James Stewart (junto com o diretor Anthony Mann). A