O Romance Francs Que Rendeu um Filme da Dcada
A Rendeira um canto to lcido quanto melanclico sobre os desencontros dos seres humanos
Do sebo desencavei o romance francês A rendeira (La dentellière; 1974), escrito pelo hoje obscuro Pascal Lainé. Há duas coisas que me atraíram para esta procura arqueológica. (Serei eu um leitor dos mofos? Deixei eu em alguma instância de participar do meu próprio tempo?). As coisas: o romance de Lainé foi filmado pelo diretor suíço Claude Goretta em 1976, teve o mesmo título original do romance mas o filme no Brasil foi batizado de Um amor tão frágil e é uma das injustamente esquecidas obras-primas do cinema da década de 70. A outra coisa: o romance no Brasil foi traduzido por nossa grande escritora Clarice Lispector, que em 1977 publicaria seu A hora da estrela (1977), que apresenta na figura da nordestina Macabéa uma apropriada versão brasileira da simplória analfabeta gaulesa de Lainé.
À parte estas atrações, é possível ainda hoje fascinar-se com o texto simples e profundo (como o filme de Goretta) de Lainé; não sei se espernear para que ele volte a catálogo adiantará alguma coisa, mas A rendeira é um canto tão lúcido quanto melancólico sobre os desencontros dos seres humanos; no centro da trama, a humílima e opaca Pomme topa com um jovem intelectual Aimery de Beligné numa estação de águas e de seus pequenos encontros surge um relacionamento que se encaminha tanto para uma seriedade de intenções quanto para um final desarticulador; o impossível caso de amor entre a analfabeta e o estudante é analisado com minuciosas intervenções do narrador por Lainé, e estas intervenções seriam depois depuradas e exacerbadas por Clarice Lispector em A hora da estrela, aliás um livro também filmado, e pela brasileira Suzana Amaral, o que permite superpor os extratos de cinema e de literatura desde o universo francês até o nosso.
Ressalvadas algumas diferenças superficiais (no filme a personagem de Pomme tem também o nome real de Beatriz, o estudante no filme se chama François e não Aimery, o lugar da Grécia fantasiado por Pomme no filme é Mykonos e no livro é Solonica), o filme de Goretta não se desviou muito dos episódios do livro de Lainé, que por sinal coescreveu o roteiro do filme. O livro não se estrutura em diálogos, que se ausentam para dar lugar ao discurso indireto livre; o esforço de roteirização deve ter sido o de mover as palavras do discurso indireto para notações de diálogo. Um e outro (livro e filme) se articulam muito bem nos pontos de vista adotados.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br