Os Olhos da Literatura
Sao os olhos da literatura o que Gilberto Schwartsmann deposita em seu livro Meus olhos (2019)
São os olhos da literatura o que Gilberto Schwartsmann deposita em seu livro Meus olhos (2019). Com estes olhos de escritor arguto e refinado produz o que na edição da Sulina (desde a apresentação de orelha assinada por Juremir Machado da Silva) são chamados contos. Os textos têm algo de contos, de fato: contos (histórias, narrativas) que giram em torno do universo familiar do autor, sua família mesmo, seus amigos, alguns ambientes culturais que ele frequenta (como as sessões do Clube de Cinema de Porto Alegre). Contos pressupõem textos independentes, que podem navegar em outros volumes: e eles aqui podem ser lidos em parte assim. Mas este comentarista fez um processo de leitura diferente para os textos de Gilberto: a leitura progressiva criou uma interconexão entre os textos independentes, produzindo, na mente do leitor, um conjunto narrativo em que há uma constante que liga as variáveis, um olhar (literário) sobre o mundo extremamente próximo, em ideia e linguagem; não por tratar-se naturalmente do mesmo autor, mas porque, ao longo dos textos, o sentido de um texto vai desaguando no sentido de outros textos, criando algo único, uniforme, o livro Meus olhos. O que é então? É como se fosse um romance feito de excertos? É um conjunto de ensaios que chega a um ensaio central?
O primeiro capítulo de Meus olhos começa pela notícia duma carta familiar que vai organizar uma narrativa que reconstitui a vida e o desencontro, lá pelas tantas, de dois irmãos, o avô do autor, Jaime, e o irmão deste avô, Jacob. A origem desta etnia judaica vai longe: à Lituânia, “desde o dia em que eles se perderam um do outro, ainda meninos, no interior da Lituânia.” O autor conclui o capítulo “Dois meninos” assim: “Cada qual à sua maneira, meu avô Jaime e seu irmão Jacob encontraram uma forma de sobreviver, tirando forças e esperança não sei de onde, porque o que importava de fato era que a família continuasse. E, um dia, quando partissem, alguém como eu pudesse contar um pouco desta triste e bela história.”
No segundo capítulo, “Dan”, Gilberto vai a um primo desconhecido: dele, Gilberto, mas famoso nos Estados Unidos e no mundo, pois fotografara pessoas bastante midiáticas. Dan é filho de Joseph, este tio fora casado com uma irmã do pai do autor. O texto começa mesmo na vista do Central Park e faz alguns pequenos ensaios sobre uma das paixões de Gilberto, o cinema, trazendo anotações sobre filmes como Marathon Man, de John Schlesinger, e Hair, de Milos Forman. Antes de entrar em sua complexa e espaçada relação com o primo, para também entrar em suas lembranças contraditórias do tio Joseph, e concluir a difícil avaliação: “E a vida mostraria depois que, para Dan e também para mim, seria mais humano perdoá-lo.”
No penúltimo capítulo, produz-se um ensaio cinematográfico em torno de Potemkin, a obra-prima de S.M. Einsenstein; e, claro, os tentáculos das informações históricas e culturais se alastram pela Revolução Russa, seus antecedentes, seus fatos, sua posteridade. O ensaísta Gilberto deixa-se enlevar pelo feito de Eisenstein: “Nestas cenas, podem ser notados elementos claros do construtivismo russo, com a imponência das escadarias e de linhas amplas e bem definidas, dando o escopo da ação, concomitante às cenas dramáticas, individuais, para todos os gostos, contrapondo-se à beleza da construção.” “Potemkin” pode ser lido como um conto-ensaio, capaz de figurar entre as mais belas meditações fílmicas feitas por aqui, mas é também um dos polos que edificam a espécie de unidade em livro que vão sendo, aos poucos, os textos de Meus olhos, produto de um olho literário afiado.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br