A Destruicao do Individuo pela Crise Existencial

Em varios instantes de O fim de Cheri sua prosa atinge um estatuto sublime no uso das palavras

12/03/2025 03:18 Por Eron Duarte Fagundes
A Destruicao do Individuo pela Crise Existencial

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Em O fim de Chéri (La fin de Chéri; 1926) a romancista francesa Colette, ainda nos padrões psíquicos inconstantes e em metamorfoses tateantes, características de literatura intermediária das primeiras décadas do século XX, mostra a seu leitor a descida na melancolia que determina os rumos finais de sua personagem, que foi um adolescente perdido pela paixão, a paixão do sexo com uma mulher madura. O parágrafo final de Chéri (1920), um relato das relações entre a cortesã aposentada Léa e o adolescente Chéri, filho duma ex-companheira de batalhas de Léa, este parágrafo final de Chéri rima com o parágrafo que abre O fim de Chéri, onde se acompanha a destruição íntima de Chéri, solapado por uma crise existencial que na verdade nasce da natureza do sexo. “Chéri referma derrière lui la grille du petit jardin et huma l’air nocturne.” Em Chéri a criatura “ouvrit la grille et sortit”, em O fim de Chéri o homem “referma derrière lui la grille”, o portão que Chéri abre no fim dum romance precede o portão que ele vem a fechar ao dar na rua no começo do romance que dará sequência à vida da personagem.

Com sua grande habilidade de ficcionista, Colette, em O fim de Chéri,supera as adversidades de reprisar o que dera tão certo em Chéri, a educação sentimental e sexual dum adolescente que ao cabo se frustra com as futilidades de sua própria vida. Os aspectos deletérios da conduta interna de Chéri, em O fim de Chéri, muitas vezes condicionam o estado narrativo e um processo soturno cuja superficialidade passava bastante ao largo duma obra-prima como Chéri; ainda assim, é notável o senso de lirismo romanesco que detém Colette como uma autora literária. Em vários instantes de O fim de Chéri sua prosa atinge um estatuto sublime no uso das palavras, nas sutilezas da sintaxe.

“À maintes reprises, pendant la guerre, en sortant d’un long sommeil sans rêves ou d’un repos à chaque minute rompu, il lui était arrivé de s’éveiller hors du présent, depouillé de son passé les plus récent, rendu à l’enfance — rendu à Léa. Edmée surgissait un peu après, nette, bien construite, et la réssurection de son image, non moins que son abolition momentanée, mettait Chéri de bonne humeur. ‘Ça m’en fait deux’, constatait-il. Rien ne lui venait de Léa, il ne lui écrivait pas. Mais il recevait des cartes postales que signaient les doigts déformés de la mère Aldonza, des cigares choisis par la baronne de la Berche. Il rêva quelque temps sur une longue écharpe  de laine douce, à cause de sa couleur bleue commme un regard et du très vague parfum qui se levait d’elle aux heures de chaleur et de sommeil. Il aima cette echarpe, se serra contre elle dans l’ombre, puis elle perdit son parfum, sa fraîche nuance de prunelles bleues, et il n’y pensa plus.”

O fim de Chéri, no desespero que lhe dá a narradora em O fim de Chéri, ele afogado pelo peso das lembranças, é naturalmente o suicídio. Um suicídio existencial: o indivíduo destruído pela crise de ser. Às vezes viver pesa, escreveu alguém dominado por este estado de coisas. Chéri não suporta a passagem dos anos: o envelhecimento de Léa, o envelhecimento do amor. “Il s’excita à gémir et à répéter: ‘Nounoune...Ma nounoune...” Nounoune é o hipocorístico que Chéri dá a Léa, desde os primeiros encontros. Chéri, mais maduro, pronto para se matar, murmura essa palavra passadiça. A impossibilidade da volta no tempo extermina a personagem, que vai lá rolar seus “quelques plaintes étouffées”, antes de soltar o gesto final no revólver que vai coroar a tensão duma existência.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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