O Sonho Brasileiro Decepado

Com sede no Armazém da Utopia, o Armazém 6, no Cais do Porto, o Festival de Cinema do Rio 2014 trouxe mais de trezentos filmes para a disposição dos cinemaníacos cariocas e de outras plagas que aportassem ali

13/10/2014 09:35 Por Eron Duarte Fagundes
O Sonho Brasileiro Decepado

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Rio, 05.10.14, domingo

 Segundo depoimento de André Ristum, nos debates sobre seu filme O outro lado do paraíso (2014) no Pavilhão do Festival, no Cais do Porto, em programação do Festival do Rio 2014, a temática do golpe militar sempre volta em seu cinema. No documentário Tempo de resistência (2004), baseado num livro memorialístico de Leopoldo Paulino, as marcas militares na sociedade brasileira são feridas abertas. Depois em Meu país (2011) Ristum fala dum homem cuja vida foi feita fora do país e, ao aqui retornar por motivos familiares, dá com um mundo onde se desloca com proximidade e distanciamento, um efeito de estranheza. Há relações entre a trajetória íntima das personagens e a trajetória do próprio país, em perspectiva histórica. Ristum explica sua obsessão para com a ditadura militar: em face dela, ele, Ristum, foi criado fora do Brasil; então, para entender seus próprios caminhos, tem de sempre voltar a estes tempos que lhe alteraram o destino.

André Ristum debatendo no Armazém 6 do Cais do Porto seu filme,
um dos mais importantes exibidos no Festival do Rio.
Fotografado por Marilene Fagundes da Silva

 

Aquilo que é a essência do cinema de Ristum, como se encadeiam os laços entre o indivíduo e a história, se torna mais forte e cortante em O outro lado do paraíso. A base é uma novela infanto-juvenil do escritor mineiro Luiz Fernando Emediato, o mesmo autor que forneceu um conto para Verdes anos (1984), de Giba Assis Brasil e Carlos Gerbase. Presente na mesa de debates, o escritor revelou o divertido conflito em que quem escreve o livro é iludido pela aparente fidelidade que lhe presta o cineasta enquanto quem dirige o filme faz o filme que quer. Ristum contou também que o projeto de filmar O outro lado do paraíso começou sem o realizador. Foi Nilson Rodrigues quem propôs a Luiz Fernando fazer de seu conto autobiográfico um filme; Emediato resistiu inicialmente à ideia, mas só cedeu quando lhe deram um aparente domínio sobre o projeto. Houve uma tentativa com outro diretor, disse Emediato, evitando dar o nome, e somente depois de ver Meu país é que o ficcionista concluiu que estava diante do diretor de seu filme. Este “seu filme” é enganoso; quem conhece cinema e sabe das características do cinema de Ristum, vê logo que o filme é mesmo do cineasta. Estas relações nebulosas entre a literatura e o cinema perpassam um filme como O outro lado do paraíso.

O curioso em Ristum é que ele, como um criador de ficção cinematográfica, sabe tomar histórias alheias como suas; foi assim em Tempo de resistência, torna a ocorrer em O outro lado do paraíso, mas os dois filmes se articulam com a mesma linha de pensamento cinematográfico que vemos em Meu país, onde o exilado de Rodrigo Santoro tem uma convivência mais próxima daquilo que Ristum viveu, o exílio de seu país e a volta com estranheza. Ristum está contando em seu novo filme o processo do sonho brasileiro, estimulado pela construção recente de Brasília e pelas reformas de base incendiadas por João Goulart, e a forma como este sonho é decepado pelo golpe militar de 1964. Esta história, comum a muitos brasileiros, é trazida sob a forma da história de Emediato, o menino cujo pai é preso por ser um trabalhador ativista quando se dá o golpe. É por aí que acontecem as relações entre a trajetória coletiva e a individual no mundo que o cinema de Ristum busca retratar,

Pode-se dizer que Ristum segue adiante a depuração de suas influências rossellinianas que já víramos em Meu país. Mesmo um ator mais estelar como Eduardo Moscovis, vai obedecer ao despojamento e ao rigor estéticos que Ristum exercita em todas as latitudes de O outro lado do paraíso.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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