O Espaco Arquitetonico do Cinema
A arquitetura eh uma das pecas que informa a estrutura plastica de Columbus
A arquitetura é uma das peças que informa a estrutura plástica de Columbus (Columbus; 2017), de Kogonada, realizador sul-coreano em atividade nos Estados Unidos. O uso do espaço cinematográfico pelo cineasta tem muito de arquitetônico desde a composição do plano até a forma muitas vezes inusitada de criar ilusões espaciais narrativas pela justaposição dum plano ao plano seguinte; são como fragmentos plásticos, ou estilhaços, talvez clarões dum relâmpago. A arquitetura não está somente na cabeça das personagens, que se interessam pelos modelos de construções e falam de estilos, histórias, sentimentos nascidos dos prédios; está também na forma como a cidade em que se passa a ação é posta dentro da linguagem do filme; Columbus é tanto o nome da cidade quanto duma escola onde a personagem feminina central trabalha. Esta percepção arquitetônica do espaço fílmico parece remeter a A aventura (1959), do italiano Michelangelo Antonioni. Assim como certas abstrações dos cortes editados por Kogonada podem associar-se ao estilo de filmar do francês Robert Bresson, originar-se de Uma mulher suave (1969), especialmente da sequência inicial que descreve o suicídio duma mulher neste filme de Bresson, estilhaços plásticos diante do olho do espectador. Mas na verdade Kogonada está no século XXI, nas peças deste nosso século, e estas origens remotas facilmente se esfumaçam: o observador não encontra pé nelas.
Num de seus ensaios em vídeo, O que é neorrealismo?, Kogonada opõe o modelo de produção da Hollywood clássica ao modo de filmar do neorrealismo italiano, fantasiando em sua divagação crítica o que poderia resultar, em filme, destes dois cortes distanciados. Como o cinema não é dual, em Columbus a complexidade da realização traz uma outra via, com sínteses e paradoxos que não adotam o resumo hollywoodiano nem o olhar obsessivo do neorrealismo. Em algumas cenas, Kogonada brinca com o espaço e a narração, justapondo o plano duma personagem ao plano de outra personagem como se estivessem em espaços próximos (físicos e narrativos) e no entanto logo revelando que são duas ações paralelas que não dialogam no espaço-tempo do filme.
O encontro da jovem americana Casey (empregada duma biblioteca) e do mais maduro sul-coreano Jin (que está na cidade pela internação hospitalar de seu pai, um arquiteto que veio dar uma palestra e a doença lhe impediu) gera a estranheza plástico-narrativa que é a base de edificação de Columbus. Há também um colega de biblioteca de Casey, fundamental no início do filme, depois desaparece (como uma personagem de Antonioni) e vai reaparecer quase no fim da história.
Numa determinada cena, Casey está falando da história da construção dum prédio e Jin a interrompe pedindo que deixe os fatos de lado e fale de seus sentimentos, do que a impressiona no prédio. Kogonada deixa a personagem falar mas tira o som: o que lhe interessa, para captar a emoção da criatura diante da construção arquitetônica, é filmar a expressão facial, as centelhas de um olhar. Columbus é um pouco para ser visto assim: a forma-emoção-plástica que dele emana. Talvez um ensaio plástico o revelasse bastante melhor que estas palavras numa página escrita. O que aqui vai, no meu texto, é uma outra via: o que sei fazer, claro.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br