O Futuro do Cinema Passa Pelos Gritos de Dziga Vertov

Um dos filmes fundamentais para o entendimento dos mecanismos da linguagem cinematografica

18/03/2022 13:08 Por Eron Duarte Fagundes
O Futuro do Cinema Passa Pelos Gritos de Dziga Vertov

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“Eu sou o cine-olho. Eu sou o olho mecânico.

Eu liberto-me, desde hoje e para sempre, da imobilidade humana, eu estou em movimento contínuo, aproximo-me e afasto-me dos objetos, deslizo por debaixo deles, trepo por cima deles, movo-me ao lado de um cavalo a correr, irrompo, em plena velocidade, na multidão, corro diante dos soldados que carregam, volto-me de costas, voo com os aeroplanos, caio e levanto voo com os corpos que caem e que sobem.” (Dziga Vertov, apud Vasco Granja).

Em Cine-olho (Kinoglaz; 1924), um dos filmes fundamentais para o entendimento dos mecanismos da linguagem cinematográfica, o realizador (e também teórico, mas um teórico com a  força da poesia, o criador de uma poética de estética fílmica) russo Dziga Vertov (nome original: Denis Arkadievitch Kaufman, nascido na Polônia) põe em cena sua teoria da originalidade do cinema e seu desejo de tornar a câmara de filmar uma personagem irrequieta de um filme. No interior dos anos 20 do século passado, cinema mudo, planos estáticos, pouca variação de ângulos de filmagem, os objetos de cena quase sempre fixos de marcações rígidas, Vertov cometeu ousadias e extravagâncias: ele fez um cinema do futuro, um cinema insubmisso com os limites da tecnologia; é como se o diretor estivesse berrando através das décadas por um tempo de câmara digital. A atualidade de Vertov está na loucura de suas propostas.

O travelling (a câmara em movimento) é usado abusivamente em Cine-olho. Durações e modos de travellings se ligam um pouco às possibilidades dos veículos que continham a câmara então, os veículos da sociedade da época; mas nota-se a inventividade de Vertov em manusear a câmara e estes veículos: há travellings que parecem entrar para dentro dos cenários, comendo-os, e há travellings que se enforcam no olhar do espectador, desfocando (tornando abstrata) a imagem, bem antes das mutações de foco permitidas pelas técnicas fotográficas e dos abusos experimentais das câmaras circulares. Em determinada sequência o narrador de Cine-olho mostra os diversos ângulos com que a câmara pode encarar um determinado local: cada ângulo se revela dotado duma poesia e dum significado diversos; a discussão linguística de Vertov é soberba. Em outros instantes Vertov endoida definitivamente ao experimentar: altera a direção do vetor da montagem – pessoas, veículos, animais passam a andar para trás; a montagem invertida foi utilizada pelo brasileiro Julio Bressane em O mandarim (1995), mas aí se percebe o veio crítico de sua utilização original por Vertov em contraponto ao maneirismo frio que o processo apareceu nas mãos de Bressane. Significativo é o aparecimento da máquina relógio em Cine-olho: primeiramente os ponteiros andam rapidamente para a frente, depois param, finalmente andam rapidamente para trás; como a montagem ao avesso, esta cena serve para caracterizar a relatividade do tempo e do espaço cinematográficos segundo os conceitos de Vertov.

Visionário, o teórico Vertov foi mais além ao conceber o conceito de cine-engenheiro, que dirigiria os aparelhos a distância. Quem sabe como o iraniano Abbas Kiarostami rodou sua obra-prima Dez (2002), uma câmara instalada dentro do carro a gravar imagens sem o controle do diretor, dá com esta constatação: os herdeiros da inquietude de Vertov estão por aí, quase cem anos depois da explosão de suas teorias antecipatórias do século XXI.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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