Ufanismo Visual num Classico Filme de Esporte
Carruagens de fogo carrega sua dualidade em suas duas personagens centrais, dois corredores das Olimpiadas de Paris de 1924
Antes do escrito: Hugh Hudson faleceu em 10 de fevereiro de 2023, em Londres, aos 86 anos. Este texto é uma homenagem a partir dum retorno a seu filme mais conhecido.
Premiado com o Oscar de melhor filme em 1982, Carruagens de fogo (Chariots of fire; 1981) catapultou seu realizador, o inglês Hugh Hudson, para a história do cinema. Hudson é um cineasta tradicional, que constrói suas narrativas em formas bastante clássicas de filmar, onde se misturam o rigor empostado de algumas sequências (algo do formalismo britânico) com outras em que tudo parece apressado e desleixado, especialmente na composição das personagens. Carruagens de fogo conquistou espectadores em seu tempo, e, inegavelmente, conquistou a história do cinema. Mas, é bom que se diga, sua realização é trivial, às vezes opaca, e seus arcaicos conceitos navegam primitivamente entre a religião e a pátria para expressar o dito espírito olímpico, naturalmente endeusado, trazendo uma certa pieguice cujo esforço formal tenta disfarçar na fleuma.
Carruagens de fogo carrega sua dualidade em suas duas personagens centrais, dois corredores das Olimpíadas de Paris de 1924. Eric Liddell é religioso e acredita que sua missão de corredor vem de Deus; corre para provar sua fé. Harold Abrahans é o pragmático, corre por ufanismo hedonista, provar à aristocracia inglesa que ele é o cara. Em ambos a fé religiosa e patriótica faz suas sombras. Hudson está longe de propor um olhar crítico para estas instâncias de suas personagens; apesar de ser uma produção britânica, e haver alguns diferenciais de estilo, Carruagens de fogo não difere muito dos suaves melodramas de e para família que o cinema de Hollywood espalhava pelo mundo no começo dos anos 80. Naturalmente, o clássico Ben-Hur (1959), do americano William Wyler, serviu de modelo para que Hudson atualizasse suas referências cinematográficas; mas certamente vai uma distância considerável entre Wyler e o diretor inglês.
Outro dado curioso que atravessa as imagens, em princípio assexuadas ou platônicas, é uma sutil carga de homoerotismo das cenas quando postas lado a lado. Carruagens de fogo, assim, traz uma impressão sedimentada por quarenta anos de história do cinema: tem certas facilidades que agradarão a um público bem comportado; no entanto, seu estado de clássico do cinema padece de alguns mofos em sua proposta de emoção cinematográfica.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br