Nos, os Filhos de Saura

O espanhol Felix Viscarret pretendeu fazer um retrato intimo e familiar do cineasta Carlos Saura

21/10/2023 03:31 Por Eron Duarte Fagundes
Nos, os Filhos de Saura

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O espanhol Felix Viscarret pretendeu fazer um retrato íntimo e familiar do cineasta Carlos Saura tomando depoimentos de seus sete filhos, seis homens e uma mulher, nascidos de quatro casamentos. O resultado a que o espectador pode assistir está no documentário Saura’s (2017), cuja sensibilidade humana e estrutura visual (da fotografia à montagem, passando pela utilização da faixa musical e das entonações nas vozes dos intérpretes ou depoentes) emula em boa parte os próprios filmes de Saura.

A abertura do filme se dá com a câmara mostrando Saura em seu local de trabalho, uma espécie de estúdio em que escreve, desenha, pesquisa. Logo com ele, aparece sua filha, Ana Saura Ramón, de seu derradeiro matrimônio, sua esposa nos anos finais, Eulalia Ramón. Ana revela-se ali a secretária ou assistente de seu pai. As primeiras imagens de Saura’s buscam a alma de Saura nas palavras dele e desta jovem filha. Inicialmente, se revela a resistência do mestre espanhol a expor suas intimidades, sua vida privada, o que começa a dificultar o acesso do documentarista àquilo que lhe interessa, como o homem Saura é e como este homem se transformou no artista Saura. Em algumas imagens laterais surge Eulalia, a mulher atual de Saura.

Mas Felix segue adiante. Os filhos aparecem para a câmara e falam. Carlos Saura Medrano (nascido em 1958, filho da primeira companheira de Saura, Adelia Medrano), Antonio Saura (de 1960, também filho de Adelia), Shane Saura (de 1974, o filho de Geraldine Chaplin, morando nos Estados Unidos, ele não vai à Espanha, envolvido com seus assuntos particulares, só vemos dele transcrições de falas telefônicas; mais para o fim, fica claro que o constrange um pouco falar de seu pai, cujo rompimento com sua mãe Geraldine teria sido traumático para ela e para o pequeno filho, pois Saura os abandonou para ficar com sua jovem empregada doméstica, Mercedes, sua terceira esposa), Manuel Saura Pérez (de 1980, de Mercedes Pérez), Adrián Saura Pérez (de 1984, também de Mercedes), Diogo Saura Pérez (de 1987, de Mercedes) e a caçula, Ana Saura Ramón (de 1994, filha de Eulalia, talvez esta filha a mais próxima afetivamente de Carlos Saura). Desfilam ao longo dos depoimentos imagens de vários filmes de Saura, num jogo de memória em que Saura e seus filhos se transformam em personagens de um filme que poderia ser feito pelo próprio Saura. Saura’s erige-se um pouco à sombra da magia de Elisa, vida minha (1977).

Talvez Viscarret não tenha logrado inteiramente chegar aos meandros mais secretos da alma de Saura. Tentou buscar nos sete filhos do cineasta um pouco dos corvos de Cría cuervos. Mas as bicadas destes corvos mantiveram um certo distanciamento emocional, mesmo Shane em suas observações mais acerbas, pois Shane, não aparecendo diretamente no documentário, esteve  um pouco como estava Saura no início do filme: não queria avançar-se muito dentro de si. Saura preferiu, por exemplo, falar de questões técnicas e estéticas, como aquela sobre A prima Angélica (1973), em que justifica com brilho a utilização do ator adulto para aparecer em imagens de infância como menino, pois quem lembra é o adulto e quem vai ao passado é este adulto, não o menino que já não existe.

No entanto, em sua essência, ao voltar-se para os filhos para retratar Carlos Saura, Saura’s capta uma essência dos que, a partir dos anos 70, se aproximaram dos filmes do realizador espanhol: nós, os espectadores de Saura, somos os filhos estéticos. Papai Saura.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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