Memoria REF: Dancando com A Rainha das Aguas

Rubens relembra uma de suas atrizes favoritas, Esther Williams

11/12/2019 14:19 Por Rubens Ewald Filho
Memoria REF: Dancando com A Rainha das Aguas

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Nunca houve antes ou depois uma estrela como Esther Williams. Durante aproximadamente dez anos, de meados dos anos 40 até meados dos cinquenta, ela foi campeã absoluta de bilheteria e estrela absoluta nos estúdios da Metro de uma série de filmes que invariavelmente traziam números musicais aquáticos, balés que criaram praticamente o hoje famoso como categoria olímpica, nado sincronizado. Como sempre diziam dela, seca era como as outras, molhada era uma estrela.

Tenho especial carinho por Esther porque eu fui nadador e obviamente tentava imitar na piscina os mergulhos e saltos que ela realizava no cinema. Era o nosso ídolo. Nunca imaginei que anos depois quando era jornalista e cobria o Fest Rio para a Rede Globo, entrei numa festa e fui apresentado a ela. Esta quase imediatamente ordenou, como uma rainha, com o dedo em riste - Você será meu Escort durante o festival. Naturalmente tinha se informado e sabia quem eu era e a importância do canal. E foi assim que durante uma semana eu convivi momentos inesquecíveis com meu ídolo Esther. Uma mulher grande (felizmente eu também era) e bem humorada. Fui o apresentador/coordenador da entrevista coletiva dela, não só para jornalistas mas também fãs como bem me lembro o Fallabella. Fiquei meio irritado até porque ela numa pergunta me deixou meio mal, como se tivesse errado. E na verdade era ela que forçou a situação para se sair bem... Ok, faz parte dos aprendizados de conviver com estrelas. Em compensação assisti ao lado dela o filme que a revelou, Escola de Sereias, com Esther fazendo um comentário estilo de áudio de DVD, sabe daquele jeito. Só que exclusivo. Também lhe peguei em algumas mentiras (inventou uma história de que nadava todo dia na Baia de Guanabara, conversa que inventou para a imprensa e eu sabia que era mentira). E no último dia, tive o prazer de lhe ensinar samba e dançar com ela em plena avenida carioca. As fotos se perderam, mas para mim foi um momento inesquecível.

Depois disso ainda a vi duas vezes em Nova York, mas ali eu já não era rei e não merecia tanta atenção. Também já estava ficando idosa, pesada e parecia beber bastante, como toda americana. Mas no seu apogeu, Esther era uma das mulheres mais bonitas do cinema. Ah, sim Esther obviamente mentia a idade e nas conversas sempre fugia dizendo que não se perguntava essas coisas para uma senhora. Assim a data certa seria 1921 e, portanto, quando morreu já estava com os noventa e um anos. Com estrelas, nunca se tem certeza de nada! Mas como autêntica estrela morreu no dia de seu aniversário.

Insisto Esther era extremamente bonita, alta (1 e 74, muito para a época), tinha ombros largos como toda nadadora, mas como atriz era espontânea e natural. Chegava mesmo a cantar com uma voz agradável (ela também me jurou que nunca foi dublada nas canções e chegou mesmo a cantar para mim o “Boneca de Pixe” que interpretou com Van Johnson num filme. E que teria sido a própria Carmen Miranda que lhe teria ensinado! Mas não é isso que dizem as pesquisas e livros). Atualmente estaria enfrentando também uma doença nos olhos degenerativa, que estava deixando-a cega (alguns sugerem que poderia ser consequência do cloro das piscinas, mas é especulação). Descanse em paz, Esther, eu nunca vou esquecê-la.

 

Pequena biografia

 

Nascida em 1921 em Los Angeles, Esther treinou para ser realmente campeã de natação mas sua carreira foi interrompida quando não houve Olimpíadas por causa da Segunda Guerra Mundial. Por isso aceitou trabalhar num show aquático ao lado do campeão e Tarzan Johnny Weissmuller. Um agente da Metro a viu e ela foi contratada pelo estúdio, que depois de um rápido treinamento inclusive num filme da serie Andy Hardy com Mickey Rooney, a lançou em Escola de Sereias/ Bathing Beauty de George Sidney, que foi um sucesso espantoso no Brasil e onde é recordado com saudade.

 

Escola de Sereias (1944)

 

É basicamente o filme que a transformou em estrela num divertimento para o tempo da Guerra, quando o mercado europeu estava fechado e era preciso cortejar o publico latino americano. Então você vai encontrar uma famosa organista daquele momento Ethel Smith tocando o nosso Tico-Tico no Fubá e o cantor colombiano Carlos Ramirez interpretando uma musica que também fez muito sucesso, Munhequita Linda. Como o filme era exibido também nos fronts de guerra, de vez em quando a história era interrompida para aparecerem as big bands famosas como as de Harry James e sua solista Helen Forrest dando um show numa execução dificílima ou então, o excêntrico maestro espanhol Xavier Cugat e sua solista Lina Romay. A história é muito simples, Red Skelton quer se casar com uma professora de uma escola de garotas mas surge uma outra moça, que finge ser sua esposa. Esther foge mas Red vai atrás , se inscrevendo na Academia e criando problemas no lugar. Por exemplo, como quando participa da aula de balé. Este foi também o filme que transformou o ruivo Red Skelton no comediante mais popular do estúdio. Mas tudo parava para o clímax da fita quando Esther executava seu balé aquático requintadíssimo, até com labaredas de fogo e um eterno sorriso. Uma sequência tão espantosa que até hoje ainda não foi superada. A gente não sabe se ri ou aplaude, se acha brega ou mergulha junto na piscina. O fato é que esse balé fez história e tornou Esther imortal. Apesar de ter repetido outros semelhantes em filmes posteriores, na verdade fez isso em praticamente todo o resto de sua carreira, às vezes coreografada pelo genial Busby Berkeley, como se confirma no seu trecho de Era uma vez em Hollywood, que era invariavelmente aplaudido pelo público. Ele chegava ao pleno delírio, por exemplo, nas sequências espetaculares em esqui num parque da Florida em Fácil de amar/Easy to Love (53). Ou num espetacular numero de A Rainha do Mar (Million Dollar Mermaid, 52). Esther fez parceria com todo mundo até mesmo o ratinho Jerry e o gato Tom em Salve a Campeã (Dangerous when Wet, 53). Os coreógrafos da Metro quebravam a cabeça para inventar novas soluções e imagens que as vezes eram realmente perigosas, ao menos duas vezes como contou em sua autobiografia, ela correu perigo de vida.

Mas Esther era realmente querida pelo público, até cantou uma canção premiada com o Oscar em 1950 com Ricardo Montalban em A Filha de Netuno. Seu ultimo filme na Metro acabaria sendo A Favorita de Júpiter (Jupiter´s Darling, 55), uma comédia musical com Howard Keel e Marge e Gower champion, que era já o final de um ciclo.

Aos 34 anos, seu estrelato terminara. Ainda tentou prolongar a carreira indo para a Universal, onde fez uma professora por quem se apaixona um aluno (John Saxon), numa história escrita por Rosalind Russell, Voragem de uma Paixão (The Unguarded Moment, 56). Os fãs acharam que ela era ate boa atriz. No filme seguinte começou um romance com Jeff Chandler, Tormentas no Paraíso (Raw Wind in Eden, 58), mas ela confessou na autobiografia tudo acabou quando ela o encontrou usando roupa de mulher e se confessando travesti (mas não gay). Ela não aceitou. Mas logo se casaria com um caso pior, o argentino Fernando Lamas que era machão e violento, proibindo ela de até ver os filhos. Mesmo assim durou anos, de 69 a 82 quando este morreu. Ela veio ao Brasil justamente de passagem para ir conhecer a Argentina de seu amado esposo. Foi Esther quem criou o ator Lorenzo Lamas, filho de Fernando com Arlene Dahl (eu mesmo a vi tentando ajudar a carreira do enteado). Esther casou-se três vezes mais, a mais recente com o ator coadjuvante Edward Bell, de 1994 até hoje. Os dois se conheceram nos Jogos Olímpicos de Los Angeles. O resto da vida ela continuou trabalhando com piscinas e maiôs (ate hoje existem piscinas que levam seu nome), abandonando o cinema de vez depois de 1960. Mas nunca foi esquecida. Cada vez que alguém mergulha numa piscina e faz algum movimento mais elaborado, já está prestando sua homenagem a rainha das águas, a sereia americana!

 

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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