MEMORIA REF: Oscar, A Grande Ilusao

Um relato da toda uma historia de amor: Rubens e o Oscar

06/02/2020 14:28 Por Rubens Ewald Filho
MEMORIA REF: Oscar, A Grande Ilusao

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A Grande Ilusão

 

O Oscar – O Meu Lado da História

Não sei dizer bem como o amor pelo Cinema começou. Amor é uma palavra forte mas apropriada. Mas deve ter sido em algum momento da minha infância reprimida e bloqueada. Não me lembro nada de antes dos cinco anos. Dali até os nove quando nasceu meu único irmão, tenho alguns flashes do que era minha vida, mas pouca coisa. Suponho que deviam ser lembranças doloridas que para me proteger, o subconsciente bloqueou. Poderia ter feito algum tipo de regressão mas já havia tentando análise (freudiana ou não) e preferi deixar como estava. Porque de qualquer forma eu tinha minhas lembranças. E elas não eram ruins. Ao contrário, eram quase todas boas porque eu me lembrava perfeitamente dos filmes que assisti quando criança.

 Não sei que mecanismo mágico me protegeu quando criança, mas o fato é que esse vício adquirido em pequeno foi o que me salvou através de anos de insegurança, complexos e relacionamentos mal resolvidos. Quando tudo o mais falhava, sempre me restava o Cinema. E isso ainda é verdade, quando sofro alguma rejeição, pessoal ou profissional, o Cinema nunca me trai. Ainda mais agora, que você pode ter seu filme favorito em casa, em vídeo ou DVD. Ou seja, de certa forma você nunca está sozinho.

Pois o Cinema foi meu parceiro de infância, meu amigo não tão imaginário assim. Foram seus personagens que saíram da tela e povoaram minha imaginação. Como era uma criança solitária, não tinha com quem dividir essa paixão, talvez secreta. A família, mais particularmente, os pais, embora me levassem para ver os filmes, nunca aprovaram que eu fizesse algo mais efetivo na aérea. Era coisa de viado e puta. Deus me livre usar essas palavras, obviamente proibidas e nunca ditas. Eram usados eufemismos mas muitas vezes para conseguir ver um filme era preciso uma longa negociação, em parte para levantar o dinheiro (a família estava bem de vida, mas só percebi que éramos ricos quando perdemos quase tudo!), em parte para driblar os porteiros (a censura na minha época era bastante relativa, ainda mais numa cidade de interior como Santos, mas havia um porteiro no cine Atlântico, que era o pavor de todos os que, como eu, falsificavam as carteirinhas da escola).

Nunca fui muito de cabular aula para ver filmes. Sempre era possível assisti-los, numa época em que havia uma enormidade de salas nos bairros, em programas duplos.

Curiosamente, tão importante quanto assisti-los, era saber sobre eles. E meus companheiros e guias eram duas revistas editadas no Rio, a Cinelândia e a Filmelandia. Não tinha na época, idéia de que elas eram licenciamento de duas revistas americanas, respectivamente a Modern Screen e a Screen Stories. A Cinelândia era uma revista basicamente de fofocas trazendo colunas de Louella Parsons e Sheilah Graham (e por vezes até de Hedda Hopper, ou seja das três maiores mexeriqueiras de Hollywood) mas com igual ênfase no Cinema Brasileiro e Paulista (Liba Frydman fazia o panorama paulistano e ela nunca soube quando virou minha amiga, a honra que foi conhecê-la). Mesmo assim, era muito melhor do que qualquer similar nacional, inclusive atualmente. Mas não há como comparar. São mundos diferentes.

 O importante é que foi através dela que tomei conhecimento com a importância que o Oscar tinha para a Indústria do Cinema e o público em geral. Se bem que mais do que a Cinelândia (eventualmente a mãe me fez jogar fora a coleção delas e o melhor presente que eu recebi foi nos anos 80 quando um antigo jornalista do Variety, radicado no Brasil me presenteou com a coleção completa da Revista, encadernada), eu preferia a Filmelândia, porque ela trazia de forma novelizada todos os filmes principais do mês. Quando digo novelizada é o seguinte: a revista tinha acesso direto ao roteiro do filme e a partir dele faziam uma espécie de resumo completo, como um longo conto, onde contavam a história em detalhes (por vezes, era até possível descobrir quando houve cortes na edição final ou mudanças de última hora porque a novelização não batia com o filme que chegava as telas!). Então, mesmo que você não tivesse idade para ver o filme, podia ficar sabendo tudo dele, principalmente a história, que eu lia e relia e até hoje sei algumas de cor. Quando eventualmente escrevi telenovelas isso me serviu porque tinha na cabeça as cenas e as variantes que determinada situação poderia ter.

 Passei a seguir os Oscars, suas indicações e vencedores pelo jornal local, A Tribuna de Santos, em meados dos anos 50. Lembro como torcia por Susan Hayward de quem era muito fã, na sua luta de alguns anos para conseguir levar a estatueta. E naturalmente o auge foi todo o escândalo Elizabeth Taylor, quando ela ficou viúva e roubou o marido da melhor amiga Debbie Reynolds, que por acaso era minha favorita (desde Quando Fala o Coração/ Two Weeks with Love, feito pouco antes de Cantando na Chuva). E quando Elizabeth ganhou, a gente devorava as fotos e as notícias (não recortava as revistas, a mãe não deixava picar papel, porque diziam que dava azar. No fundo foi uma boa coisa porque conservaram todas elas).

E mesmo moleque, já saibamos que o Oscar era o maior dos prêmios, mas não necessariamente para o melhores do ano. Era um prêmio também de consolação, de consagração melhor dizendo. Se não como explicar que a própria Elizabeth Taylor tenha ganho um Oscar pela sua interpretação mais fraca, a de Disque Butterfield 8. Só porque ela havia quase morrido e sofrido mesmo uma traqueostomia.

 É lógico que eram outros tempos e não havia televisão mostrando tudo na hora, ao vivo. Mesmo porque a família também tinha problemas com tevê que foi entrar em casa em meados dos anos 60 (quando queria ver o Teatro da Juventude ou o Sítio do Pica-pau Amarelo, de Julio Gouveia e Tatiana Belinky, na antiga Tupi, tinha que andar até a casa da avó e pedir o favor de deixar-me assistir os programas).

Certamente há coisas piores na vida do que isso e nem quero parecer cheio de auto-piedade. Ao contrário, cada dificuldade me fazia ter mais vontade de saber mais de Cinema, me envolver mais (embora não soubesse de que maneira concreta). Quando a festa de entrega dos Oscars começaram a ser apresentadas no Brasil, tenho certeza de ter assistido todas. Na verdade, fui com meu amigo Armando Bravi ao Museu da Imagem e Televisão em Nova York, onde conseguimos pegar emprestado e assistir alguns dos shows antigos que tinham disponíveis, tais como Debbie cantando “Tammy” na festa de 1958 (havia alguma coisa errada, ela nunca cantou tão mal, parecia desatenta) e a famosa festa levada por Jerry Lewis que acabou cedo demais e as pessoas ficaram cantando “There´s no Business like Show Business” tentando esticá-la (na cópia que eu vi é menos tempo e menos constrangedor do que os historiadores fazem crer).

Parece que foi a Excelsior a primeira a transmitir, ainda com Bibi Ferreira como narradora, e depois passou por vários canais, até mesmo a Record. Na Globo, o Daniel Filho fez uma transmissão como comentarista (e conforme me contou, aproveitou para realizar o sonho de conhecer Fred Astaire, apresentador naquele ano). Infelizmente quando chegou o meu tempo, já tinham chegado a conclusão que era inviável transmitir de Los Angeles e a melhor solução era ficar no estúdio no Brasil, vendo monitores com o som internacional, mais ou menos como fazem com futebol e corridas de automóveis, os comentaristas esportivos.

Então é bom eu desfazer a ilusão. Também assisti O Homem que Matou o Facínora, de John Ford, e sei da mensagem de que quando a lenda é mais conhecida do que a realidade, imprime-se a lenda. Sei tanto, que tenho certeza de que mesmo contando tudo, sei que não vai adiantar. As pessoas ainda vão continuar me parando na rua e me chamando de Mauricio (Kubrusly), me perguntando pela Helena (a mulher dele). E imagino que ainda esteja acontecendo a mesma coisa com ele, isto é chamando-o de Rubens, apesar de sermos totalmente diferentes (apenas usamos barba e trabalhamos juntos por uma dezena de anos na Rede Globo, eu saí, ele continuou). De qualquer forma, é sempre uma lição de humildade. Faz baixar a crista, quando a gente começa a se sentir importante demais.

 

As Transmissões

Enfim, as transmissões da Festa do Oscar são feitas aqui mesmo do Brasil, na Globo no Rio de Janeiro, no SBT na sua sede, município de Osasco. Ficamos sentados diante de monitores (nada de TV de plasma ou nada especialmente sofisticado, aliás monitor de estúdio jamais está regulado direito. Essa é a regra número um de qualquer TV). Portanto eu nunca fui assistir ou cobrir ao vivo, em pessoa, uma festa do Oscar.

Desapontado? Eu não. Acontece que a imprensa não tem acesso a sala onde ocorre o espetáculo, ou seja ao auditório. Ficam todos confinados numa sala vizinha, onde continuam assistindo tudo por monitores, com a diferença de que entre cada prêmio tem alguns minutos para fazer perguntas rápidas aos premiados, que fazem uma coletiva relâmpago (já repararam como não há fotos da festa tiradas do auditório?). É por que fotógrafos também não tem acesso. Fotos só na sala de imprensa (onde um painel com o desenho do Oscar do ano), ou então tiradas da televisão, da transmissão.

Conforme nos conta a amiga Paoula Abou-Jaudé neste livro, noutro capítulo, cobrir o Oscar é uma fria, uma tarefa pesada, onde você disputa tudo no corpo-a-corpo, tem acesso mais do que restrito (ainda mais agora com medidas de segurança pós 11 de setembro). Tudo porque basicamente não há uma Festa de Oscar, o que sucede é apenas um programa de Televisão, feito para a TV, programado para ela. Quando há um intervalo comercial nada sucede no auditório, atualmente o Teatro Kodak, a orquestra fica tocando uma música de fundo enquanto todos correm para ir ao banheiro ou tentar conseguir alguma coisa para comer (porque a festa começa cedo e dá fome!). E para as cadeiras não parecerem vazias, existem pessoas contratadas especialmente para serem as “fillers”. Ou seja, a função é apenas sentar e dar a impressão de que a platéia está sempre repleta. Tudo isso a gente pode até mesmo ver pelos monitores do estúdio (a única vez que me lembro de suceder algo nos intervalos, foi quando pediram para os vencedores reduzirem os agradecimentos. E uma vez um apresentador tentou esquentar a platéia fazendo mais algumas piadinhas, acho que foi o Billy Crystal. Mas acredite, você não está perdendo nada.

E a festa do Oscar não é o melhor momento de encontrar os atores pessoalmente ou conversar com eles. Um Festival de Cinema é sempre mais fácil e apropriado, de Sundance à Veneza (que é o mais tranqüilo nesses casos) e até mesmo Cannes (onde você cruza com eles na rua ou nos hotéis). Eles tem mais boa vontade quando estão promovendo algum filme do que quando saem desapontados por perderem (não esqueça que para cada vencedor há sempre quatro perdedores que estão loucos da vida mas fingindo que não se importaram nem um pouquinho com a humilhação pública que acabaram de sofrer).

 

As primeiras festas

O Oscar chegou a mim, meio por acaso. Com o passar do tempo, passei a reunir os amigos em casa, na noite do Oscar, numa espécie de festa particular. Tinha pouca bebida, pouco espaço (o apartamento não era muito grande e as pessoas se sentavam no chão, sempre amigos como Edison Paes de Mello e sua mulher Irene Ravache, não celebridades. Até porque não existia revista Caras na época).

A festa foi com o passar dos anos se incrementando e começou a surgir uma espécie de Bolo (como o Esportivo) onde fazíamos apostas e brincadeiras. Certa vez, o jornalismo da Globo estava procurando cobrir uma dessas festas. Quem pode contar essa parte da história melhor foi o repórter da Globo, Lázaro de Oliveira, hoje no Metrópolis, na Rede Cultura... para quem eu pedi este testemunho (Texto dele):

 

Rubens Ewald Filho – O Oscar é Seu

“Acho que o indicado é o Rubens, aquele do Jornal da Tarde que faz a coluna de filmes na TV. Foi essa simples indicação que levou o Rubinho, como a turma do Cinema trata o Rubens Ewald, à Rede Globo de Televisão. Quem pedira o meu palpite foi o diretor regional de jornalismo Luis Fernando Mercadante que pretendia dar ao então Jornal Hoje uma nova cara com críticos em cada área. A pergunta me foi feita de sopetão em uma reunião informal de trabalho e foi o primeiro nome que me veio à mente. E não veio a toa, tinha uma história atrás dessa lembrança.

Meu contato com o Rubinho foi através de amigos comuns e que através deles soube um belo dia que assistir a transmissão do Oscar na casa dele era uma festa e juntei o útil ao agradável. Convenci meu chefe de reportagem Laerte Mangini que aquela era uma bela pauta e que não precisava sair pelas noites de São Paulo procurando uma matéria sobre o Oscar. E na noite da transmissão do Oscar lá fomos nós. Eu e meu fiel cinegrafista Ivo Coelho. E que festa. Todos os convivas falantes ,dando palpite, apostando nesse ou naquele diretor. O que impressionou foi a decoração para o evento. Posters, livros, LPs – sim, os CDs ainda não existiam, com trilhas sonoras, revistas, tudo sobre Cinema. Ledo engano, não havia decoração era o seu dia a dia, o Rubinho respirava Cinema em tudo. Só faltava ver naqueles pratos onde os salgadinhos eram consumidos rapidamente as imagens das estrelas de Cinema dos anos 40.

Era de dar inveja para quem um dia tentou a insana tarefa de tornar fácil ao leitor a escolha dos filmes que seriam exibidos na TV. Algo como a previsão do tempo, assim como os meteorologistas nunca acertavam se chovia ou fazia sol, as emissoras nunca exibiam os filmes que programavam. E a dura tarefa de descobrir que a antiga TV Record ia exibir o filme Algemas de Cristal tinha por título original “The Glass Menagerie” e era a versão para o Cinema de uma obra de Tennessee Williams. Naquela época a Internet nem existia e as enciclopédias de Cinema eram caras. Tudo pronto pra começar a transmissão do Oscar e começa a surgir na tela da TV imagens de filmes antigos. E um a um o Rubinho ia detonando, dava o nome dos atores, o nome do filme, o ano e o diretor e se tinha ganho algum Oscar. A agilidade verbal e mental para ir narrando me surpreendeu. Esse cacoete ainda existe quando assistimos o Rubinho narrar o Oscar, a ansiedade de ir testando sua memória durante a exibição de trechos de filmes antigos e a perplexidade de ser surpreendido por uma imagem pouco conhecida. Esse foi o primeiro ano.

 E não é que a matéria tinha dado certo. Um jovem jornalista, que fala bem, e bonito com pinta de galã acertara quase todas as categorias do Oscar daquele ano. No ano seguinte, sem que eu sugerisse veio o pedido de voltar a casa do Rubinho para acompanhar mais uma noite do Oscar. Nesse ano iríamos fazer um perfil daquele meu herói, sim meu herói que evitara no ano anterior que saísse sem rumo na madrugada atrás de uma matéria sobre o Oscar e me oferecera uísque, um bom sofá e uma bela entrevista. Sempre achei que quem coleciona latinha de cerveja vazia, maço de cigarro deveriam procurar um psicanalista. Digo isso por que o perfil que fiz do Rubinho no ano seguinte mostrou seu lado obsessivo pelo Cinema. Me exibiu com certo orgulho um monte de cadernos, desses escolares, onde desde a adolescência anotava os filmes que assistia. Tinha ficha técnica com diretor, atores, diretor de fotografia, assim por diante e já dava sua avaliação com relação ao filme. Isso tornou o Rubinho num crítico que tem a perspectiva do público. Que revela ao leitor que tipo de filme ele vai encontrar. Mas o melhor mesmo são os comentários jocosos e sarcástico dos atores e atrizes durante a premiação do Oscar, quando não mordaz. Soube mais tarde, com o advento das fitas de vídeo, que assistia dois filmes ao mesmo tempo. Agora sim, nesta situação é preciso procurar uma ajuda terapêutica.

Foi isso que me levou, sem pestanejar, sugerir o nome

do Rubens Ewald Filho e que acabou virando uma grife. Em que ano foi, não sei direito. Foi nos anos 70. A data exata, quantas vezes estivemos juntos no Oscar é só perguntar a ele. O Rubens tem boa memória o que não é o meu caso.”

 

Na minha versão, afinal a memória não é tão perfeita assim, eu apenas dava os palpites e ele gravava, claro que antes da transmissão. E no final, conferia. E eu sempre acertava, inclusive na vez de Rocky, o Lutador. Isso acabou acontecendo alguns anos seguidos até um dia em que a Globo precisava de alguém para participar de um debate sobre o Oscar, que serviria para encher o tempo. A festa começava as onze da noite e antes, por volta de 15 a 20 minutos, iriam fazer esse debate sobre o prêmio. E chamaram o Luís Carlos Barreto e Arnaldo Jabor. Mas não haviam encontrado um critico. E lá fui eu para o Rio às pressas (não havia cachê), deixando a festa em casa rolar sem mim. Confesso que cheguei a ter algumas dúvidas porque havia largado a Rede Globo poucos meses antes, onde havia escrito uma telenovela “Gina”, cuja gravação havia sido muito conflitada. Já estava na Tupi fazendo outro projeto e não tinha mais qualquer ilusão quanto a antiga Venus Platinada, onde nem fora buscar meus papéis de fim de contrato.

O debate foi curioso, porque obviamente Barretão e Jabor falaram mal do Oscar e defenderam o Cinema brasileiro, com toda a veemência daqueles tempos (estou falando em 1979, a festa em que O Franco Atirador iria ganhar). Somente eu defendi a Festa e o prêmio, sem mentir ou exagerar. Usando o meu velho argumento de que reúne o melhor e o pior de Hollywood, que é sempre um espetáculo, ocasião rara de se ver os astros famosos ao vivo (ainda mais naquela época) e assim por diante. A diretora de Jornalismo da Rede Globo, Alice Maria, ficou louca da vida com os dois, até porque era muito estranho ter duas pessoas falando mal de uma atração caríssima que a Globo iria transmitir dali a pouco. Não fazia sentido. Aquele ano perdi o comecinho da transmissão e fui correndo ver na casa do meu amigo Álvaro ainda no Rio.

No ano seguinte novo chamado do Jornalismo do Rio para outro debate. Mas as coisas desde então haviam mudado. O Jornalismo da Globo em São Paulo resolvera me chamar dentro de um projeto de reformulação da cobertura jornalística das artes, aproveitando que se anunciava a abertura política no governo Figueiredo. Parece que a idéia foi da Vera Iris e abençoada pelo então diretor Dante Matiussi. Como os filmes começavam a ser liberados fazia sentido ter alguém especializado para falar neles. Na verdade, no projeto entramos o Sábato Magaldi para falar de Teatro (hoje ele é imortal da Academia Brasileira de Letras e nada mais merecido porque ele é um intelectual brilhante e um irrepreensível colega), o Jacob Klintowitz para falar de artes plásticas e o Mauricio Kubrusly para cuidar da música e shows. (Todos eles eu conhecia em maior ou menos grau do Jornal da Tarde, do Estado de São Paulo, sendo que Mauricio chegou a ser meu chefe na Editoria de Variedades e como é um pessoa altamente criativa, foi ele quem deu o nome de “Os Filmes de Hoje na Tevê” a uma coluna diária que por anos escrevi naquele jornal).

Poucos se deram conta disso e não é nada agradável defender causa própria. Mas nós fomos os primeiros na Globo a falar mal de alguma coisa, numa época em que tudo era ainda sem opinião, sempre favorável. Não podíamos falar mal do governo, logicamente, mas criticar Rambo, Stallone, o Governo Reagan, Arnold Schwarzernegger e até mesmo filmes brasileiros, em rede nacional, era um fato inédito. E se pensar bem, importante.

No ano seguinte, houve uma reunião prévia antes do debate. A transmissão da Globo era comandada por Hélio Costa (atualmente Senador da República por Minas Gerais), então chefe do escritório da Globo em Nova York, que vinha de lá especialmente para conduzir o evento. Ele tinha por sinal um amigo na Voz da América (onde trabalhou muitos anos) que lhe preparava umas fichas implacáveis e que ficava em Los Angeles, com um ponto eletrônico passando informações de bastidores porque de Cinema ele nada entendia. E pouco via dos filmes novos. Com o passar do tempo, foi cada vez se interessando menos pelo assunto e confiando mais nas fichas.

Mas eu devo a Hélio, que não vejo a anos, desde que se envolveu em política no seu estado natal de Minas Gerais, a sugestão de me colocar na transmissão. Alice aceitou a idéia e lá fomos nós para o estúdio, sem maiores preparações. O mais curioso é que eu não tinha microfone ou bancada preparada para mim, já que foi tudo armado na última hora. Muito menos roteiro. E pior que isso. No estúdio não pode ter som, porque os comentaristas e tradutores (me lembro também da presença de Hilton Gomes, famoso locutor de Festivais) tem que ficar ouvindo o som internacional limpo (se for o som da transmissão nacional, ele dá um delay, um pequeno atraso, que leva você a loucura). Então, eu ficava sentado num canto, diante de outro bendito monitor, sem ouvir o que eles estavam falando direito e também sem ter o som original. Ou seja, adivinhava o que se passava e aí falava alguma coisa sobre a premiação aproveitando os breves instantes de silêncio, em geral o tempo em que o premiado levava para sair de sua cadeira e chegar ao microfone.

Não imagino como posso ter me saído bem (um detalhe; eu tenho gravado em VHS a maior parte das transmissões, ao menos a partir de 1981 mas jamais tenho a coragem de ouvir ou rever o que eu fiz. Sou crítico demais comigo mesmo para ter coragem disso. Como muita gente, odeio me ver a não ser quando ainda posso mudar ou corrigir algum defeito ou falha). De qualquer forma, no ano seguinte, lá estava eu de novo. Nessa outra passagem de tempo, já tinha afirmado minha posição como comentarista de Cinema de toda a rede, ou seja, deixei de ser local e virei nacional.

Um parênteses curioso: sempre fui muito desligado de nomes, cargos e pessoas. Jamais me aproximo dos poderosos e com freqüência nem sei direito quem é quem. Enfim, de vez em quando ia para o Rio fazer ao vivo o jornal Hoje, com minha amiga Leda Nagle. Depois de um desses programas, alguém me procura na saída e vai dizendo: “Você tem uma figura boa, gostei do que está fazendo. Acho que está indo muito bem”. E apertou minha mão sorridente. Eu retribui claro, grato como sempre, quando me elogiam. Mal sabia eu que as palavras eram de Armando Nogueira, diretor de Jornalismo de toda a regra e naquele momento ele estava me aprovando. Se fosse ao contrário, eu estaria cortado e fora do ar. Foi bom passar por um teste, sem perceber.

E nos anos seguintes, repetiu-se a fórmula. Sumiu o Hilton e acabou ficando o Hélio, suas fichas e a presença de Elizabeth Hart como tradutora (uma grande profissional). Ele aos poucos foi ressentindo minha presença (teve vez em que a Alice Maria teve que descer no estúdio e mandar ele deixar eu falar. No fundo, não me preocupava muito em falar no princípio, porque sabia que com mais de três horas de transmissão ao final as pessoas ficam caladas e você pode tomar a palavra).

Outro ritual que foi se criando foi o do roteiro. Nunca tivemos nem na Globo, nem no SBT, ou seja nunca mesmo, um roteiro final da Festa. Sempre tivemos o primeiro roteiro aquele que depois era modificado nos ensaios (prêmios que mudavam de ordem, muita coisa que era cortada) e que por absurdo que pareça, foi ficando cada vez menor, mais enxuto. Em geral eu o recebia e ainda o recebo apenas na Quinta ou Sexta-feira anterior à transmissão (que era antes na Segunda, agora é Domingo, mas o roteiro continua chegando em cima da hora). Portanto ele era cheio de falhas e erros, me obrigando a partir para adivinhações. Nunca nenhum deles trouxe uma identificação das cenas ou montagens que aparecem na festa. Aos poucos, fui passando a identificá-las e isso virou uma marca registrada. As pessoas me cumprimentam e conhecem pelo que acham que é uma memória privilegiada. Nem tanto. Mas morro de medo de errar, até porque realmente tenho que reconhecer tudo que aparece na hora. Nada consta do roteiro. E o tempo para reconhecer e dizer o nome da pessoa ou do filme é sempre curto demais.

O último ano que Hélio fez o evento, ele chegou ao máximo de levar sua esposa norte-americana para o estúdio e a sentou do seu lado, quase de mãos dadas. Impedindo qualquer contato meu com ele, mal nos dissemos boa noite. Nessa altura as fichas dele já serviam para pouco.

Quem o substituiu foi outro tipo de pessoa, um jornalista com quem eu já tinha trabalhado em Cannes, quando ele fora correspondente no exterior. Como todo mundo sabe hoje, o Renato Machado é um gentleman, um homem culto, educado, informado, incapaz de uma grosseria. Trabalhar com ele sempre foi um prazer, até porque me deixava o espaço para falar e mesmo trocarmos idéias. Contracenar se preferir (afinal Renato começou como ator de Teatro e Cinema).

O problema da transmissão da Globo era um único. Nunca sabíamos quando ela iria começar. Porque havia um filme na Segunda-feira, o Tela Quente, por mais que colocassem uma fita curta de cerca de 90 minutos (não havia menores e isso garantia Paulo Perdigão, programador da casa e um notável conhecedor de Cinema). Ou seja, entramos sempre com atraso, que podia variar de alguns poucos minutos até meia hora. Invariavelmente perdíamos sempre o show de abertura e o monólogo do apresentador (onde tinha em geral as melhores piadas, ainda que intraduzíveis). E também um ou dois prêmios iniciais, sendo que um deles era importante, o de Ator Coadjuvante. Depois eu tinha que encontrar um lugar para mencionar de passagem, porque a instrução superior era não falar nunca que entramos atrasados ou que perdermos algo.

 

A Ruptura

Foi assim por toda a década de 80. Só que ocorreu um fenômeno chamado Collor e houve mudança de diretoria na Rede. Saiu Alice, saiu Armando e a Cultura, o próprio Cinema foi perdendo espaço no país e na Rede. Recebi uma oferta da Rede Record, inclusive para ter um programa exclusivamente meu e para ser selecionador e programador de filmes e séries do Canal, que passaria a ser dirigido por Dante Matiussi (já nos primeiros tempos da Igreja Universal). Era uma boa oportunidade com novos desafios e melhor salário. Como não dependia apenas da Televisão, tinha meus outros empregos ou bicos, me desliguei da Globo. Com certo pesar, porque deixava amigos (de quem eu gostava e com quem sempre me dei bem). Também sem mágoas. Nunca sofri pressões ou fui obrigado a comentar nada contra meus princípios e opiniões. E mesmo quando pressionados, às vezes por exibidores ou distribuidores, irritados porque eu tinha falado mal de algum filme deles, sempre souberam me julgar e defender.

Mas é a vida, sempre feita de escolhas. E naquele momento achei melhor sair, primeiro na Record onde passei um ano aprendendo muito (afinal era a primeira vez que produzia um programa sozinho com um mínimo de recursos e sem a estrutura da Globo) e logo depois inaugurando a TV por assinatura no Brasil, com a Abril, no que seria a TV Showtime. Ou seja, eram tempos bons, cheio de crescimento pessoal e profissional. Só tinha um porém: não podia fazer mais a Transmissão do Oscar.

O primeiro ano sem o Oscar confesso que foi muito duro. Agora em retrospecto é que lembro que poderia ter aproveitado a chance para ir pessoalmente assistir a festa. Não me ocorreu não sei porque. Talvez por guardar uma certa mágoa de não poder estar presente ali (ao menos substituído pelo amigo Maurício Kubrusly). Nos dois anos seguintes, houve um outro convite inesperado. As distribuidoras de Cinema organizaram uma festa no hotel Maksoud para acompanhar a entrega já que naquele momento, existia a TV por assinatura que mostrava o show na íntegra, sem tradução (no caso pela Globosat). E eu acabei sendo o apresentador ao vivo da festa, outra vez sem cachê, apenas pelo prazer (embora numa festa dessas as pessoas começam a beber, falar alto e se torne impossível prestar atenção em algo).

 

A Volta

Foi quando em 1994 o SBT comprou os direitos do Oscar por três anos, tirando-os inesperadamente da Globo. Por coincidência, naquele momento eu fazia parte do quadro de funcionários da Emissora porque estava reescrevendo a telenovela “Éramos Seis”, uma nova versão do texto que Silvio de Abreu e eu tínhamos feito para a TV Tupi em 1977. Como já estava por lá, não foi difícil pensarem em mim. Fui falar com o Ricky Medeiros, que seria responsável pela transmissão e ele já foi falando: o Silvio (Santos) disse que nem precisa te pagar, que você faz mesmo de graça. Para se ver que o Silvio é mesmo sábio, era bem capaz mesmo de tê-lo feito. Mas não foi o caso. O SBT vinha com algumas idéias revolucionárias, começando pela proposta de exibir o show na sua íntegra, sem cortes. Na Globo eu nunca era visto, ouvia-se apenas a voz. Ricky achou melhor nos fazer aparecer num quadrado no canto da imagem, em particular quando dizíamos algo importante. Criaram um cenário especial (bem hollywoodiano, afinal o Oscar era glamour) e impuseram o smoking como figurino. Havia algum problema com a tradução simultânea (Elizabeth parece que foi convidada e teve que declinar) e com o mestre de cerimonias da Festa, que no primeiro ano foi feita por um senhor que havia morado tempo demais nos Estados Unidos e fazia uma tradução ao pé da letra, por exemplo, por mais que eu insistisse, dizia “ator de Suporte, em vez de Coadjuvante”. E outras bobagens assim.

A cada ano no SBT, a fórmula foi a mesma, mudando apenas o apresentador. No primeiro, o ano de “A Lista de Schindler”, o apresentador foi Boris Casoy, outra figura ilustre mas que de certa maneira me intimidava. É muito difícil você defender argumentos com uma pessoa que demonstra tanta autoridade moral no vídeo e ao vivo. Felizmente tudo correu bem (aquele ano teve até uma introdução gravada antes pelo Jô Soares, cujo horário estávamos assumindo mas no segundo ano ele limitou-se a pouco mais que uma saudação). Aliás, Jô sempre um apaixonado por Cinema, no dia seguinte da transmissão me chamou as pressas para dar entrevista no seu programa e contar um pouco dos bastidores. Não teria sido interessante se ele tivesse topado fazer comigo a transmissão da festa como havíamos chegado a pensar?

O fato é que no ano seguinte, Boris não quis retornar e a missão passou para o Eliakim Araujo, que além de não saber muito de Cinema, tinha certa dificuldade com o inglês (coisa hoje superada já que há alguns anos ele mora com a família nos Estados Unidos). A passagem mais memorável foi quando em determinado momento, Eliakim leu um texto onde está escrito que “o Oscar eram trinta centímetros de puro prazer!”. Quando ele percebeu o duplo sentido do que tinha falado foi muito difícil contermos o riso.

Mas o fato é que o SBT me concedeu um espaço que eu não tinha anteriormente. Como era o mais experiente, ajudava a controlar os tradutores de forma que as vozes não encavalassem no ar (é preciso até hoje que eu fique de frente para eles). E pela primeira vez, pude expor pontos de vista e principalmente, que considero minha tarefa principal, passar informações que ajudem o espectador a desfrutar melhor o espetáculo. Menos preocupado em dar opiniões, dizer se é bom ou mal, se justo ou injusto, mas como a sala está reagindo, como irá repercutir, qual seriam as conseqüências de determinado prêmio. Tivemos a sorte também de ter pela primeira vez em muitos anos, um concorrente brasileiro, “O Quatrilho”, o que permitiu que a Rede fizesse uma grande campanha promovendo o filme, quase com espírito de Copa do Mundo. De forma a nos deixar também motivados para até torcer, não apenas ter bons índices de audiência.

Outro parênteses importante. Não sei quanto custa os direitos de uma transmissão dessas, e se soubesse não poderia revelar. De qualquer forma, é uma quantia generosa em dólares e nenhuma emissora tem lucros com sua exibição, ainda mais num horário tardio, começando as onze da noite de Domingo (véspera de um dia de trabalho). Por vezes, nem consegue vender todas suas cotas de publicidade. Ou seja, é prejuízo certo. Na verdade, a audiência tradicionalmente começa bem e vai declinando porque as pessoas vão ficando cansadas. E as regras draconianas da Academia apenas permitem que se faça uma reprise, um compacto da Festa no prazo de no máximo uma semana. Depois disso, as imagens podem ser usadas como arquivo durante um ano. Após esse prazo, só com licença deles. Ou seja, as redes passam o Oscar por prestígio, por ser a emissora do Oscar, o maior prêmio do Cinema e no caso do SBT, também ajudando a formar a imagem de que tem contratado uma programação de filmes Classe A.

 

Gabi

 No terceiro ano, justamente de “O Quatrilho”, a Marilia Gabriela assinou com o SBT e fez sua estréia no canal justamente conduzindo a Festa do Oscar. Fez isso com prazer porque ela genuinamente gosta de Cinema, assiste os filmes (muitas vezes com o filho em Nova York onde tem um apartamento) e sabe do que está falando. Além disso, conhecia Gabi há muitos anos, a vida toda e muitas vezes eu sai do Rio correndo para dar entrevista para ela no TV Mulher. Aliás essa era uma de minhas loucuras. Quando terminava a transmissão por volta das duas e meia, três da manhã, eu gravava um boletim para o Bom Dia Brasil do amigo Carlos Monforte e depois acordava de madrugada para pegar o primeiro avião e retornar para São Paulo e dar a entrevista para a Gabi. Mais morto que vivo, com enormes olheiras com pique, porque é difícil de baixar a adrenalina provocada pelo Oscar. Alguns se jogam de pontes, outros esquiam na Neve, para mim é a emoção do Oscar que provoca a adrenalina.

Por causa da amizade, eu também me sentia à vontade com Gabi para trocar opiniões, mesmo contestá-la se for o caso. De igual para igual, como amigos, com intimidade. Como se estivéssemos conversando na sala de estar de um de nós. Esse ano foi certamente o mais famoso do Oscar. Infelizmente não por causa de “O Quatrilho” que perdeu (a Família Barreto deu entrevista logo na entrada já desanimando, certos de que iriam perder). Mas por causa da passarela da entrada do Auditório Shrine. Normalmente as emissoras são relutantes em mandar algum repórter para lá não apenas por causa do custo, nunca desprezível, mas porque os lugares são disputados a ferro e fogo com dezenas de outras emissoras de todo o mundo, principalmente dos EUA. Ou seja, além de ficar num lugar ruim (já que as americanas tem preferência), dificilmente você tem acesso as estrelas mais importantes. E trabalha sob um barulho ensurdecedor, por causa do ruído, das galerias de fãs e o congestionamento geral. Ou seja, se cobrir o Oscar é fria, ficar na passarela é pura Sibéria!

A vítima dessa vez por razões logísticas foi uma jovem repórter chamada Marina, que eu não conhecia e que morava já nos Estados Unidos. Depois de um início promissor e com um texto claudicante, falando por exemplo, nomeados em vez de indicados, ela teve a sorte de falar com Jeff Goldblum e Laura Dern, que foram adoráveis. O que é compreensível porque eles são das pessoas mais acessíveis de toda Hollywood. Entusiasmados, voltamos a cortar para Hollywood onde Marina perguntou para Richard Dreyfuss quem eram aquelas crianças que estavam com ele. “Eu peguei eles na rua”, brincou o ator (obviamente eram filhos dele). Depois correu atrás de Sharon Stone para quem perguntou que tal era interpretar uma prostituta. Essa fez um ar de mofo e desprezo e nem se dignou a responder. No dia seguinte, só se falava mal da moça, que acabou virando uma lenda dentro da imprensa, um dos momentos mais embaraçosos da tevê. Só posso dizer que a tarefa dela era realmente difícil e quiçá impossível. É como perguntar para um jogador de futebol antes do jogo se ele está nervoso ou para um condenado se está com medo de morrer. É o que chamam de “no win situation” e nem por todo dinheiro do mundo eu trocaria de lugar com ela. Se bem que teve um lado bom, porque no dia seguinte a imprensa não falava mal nem de mim, nem de Gabi, porque gastavam todo o espaço em espinafrar a moça (em relação às críticas, eu as coleciono mas nunca as leio na hora. Mas se for negativa, há sempre uma alma bendita que tem a gentileza de me ligar contando ou passar um e-mail reproduzindo-a. Curioso: por que isso não sucede também quanto são elogios?).

Quanto à transmissão em si foi um prazer, nos demos super bem, de forma que as nossas frases até se completavam. Prosseguindo um a idéia do outro.

 

Globo de novo

Acabada a fase SBT, a Globo retomou os direitos do Oscar. Nem me passava pela cabeça que me chamassem porque eu estava naquela altura como Diretor de produção e Programação da HBO. Mas restavam lá os amigos e um fato inegável, eu era mesmo um filho da Globo, foi lá que aprendi o métier, me tornei profissional. O retorno incluiu aparições no Jornal Nacional como comentarista (um fato até então inédito) e uma nova parceria com Renato Machado. Só que a Diretoria Geral impôs também a participação na transmissão de Arnaldo Jabor, que a esta altura era o comentarista oficial da emissora (herdando o lugar de Paulo Francis). Conforme admitiu depois, Jabor aceitou a missão com relutância, mas com sua habitual verve e bom humor. Se pode parecer mau humorado no vídeo, é uma pessoa muito agradável de se trabalhar. Novamente intimidado, não sabia muito bem quando falar e fui deixando Jabor dar suas opiniões, que me pareciam esquisitas. Não concordava mas não queria bater de frente, educadamente defendia pontos de vista opostos. Ele falou mal de Robin Williams, eu o defendi, destruiu sem ter visto o filme holandês Caráter, que ganhou do brasileiro O que é Isso Companheiro?. Depois em 2002, Jabor escreveu um artigo onde dizia que eu e Renato olhávamos para ele com um olhar condescendente de quem deixa alguém falar demais, sem querer contrariá-lo. É um pouco verdade, posso mesmo ver eu fazendo essa cara. Mas o momento que eu me lembro mais da noite foi quando eu tive que reconhecer os antigos vencedores do Oscar que reapareciam e por algum motivo não houve identificação. Eu fui adivinhando um a um, o que foi uma tarefa árdua, porque tinha uns que foram crianças e sumiram, só para reaparecerem agora já idosos. No canto do olho, percebi o Renato falando em off para Jabor, “Está vendo, ele sabe tudo”, como se fosse uma figura paterna orgulhoso de seu pupilo. E de certa maneira essa volta à Globo, foi um pouco uma volta para casa. Que me deu muito prazer, com ou sem Jabor, até porque no dia seguinte o país inteiro estava falando mal dele, até página na Internet se criou (“Eu odeio o Jabor”).

 

HBO

 Por ter sido tão legal (e vamos e venhamos Globo sempre é Globo) lamentei não ter podido retornar no ano seguinte a ela, porque como diretor da HBO fui obrigado a transmitir a festa por ela que havia adquiridos os direitos para canal por assinatura (o que para mim representava também um prejuízo, já que como funcionário não poderia cobrar pela transmissão). Mas como agora podia mandar, resolvemos fazer as coisas da melhor maneira possível, sem um tostão de orçamento. Não pudemos fazer cenários (usamos o que já existia montado na TVA, porque nem estúdios próprios tínhamos, já que a sede da HBO era na Venezuela e agora em Miami). A decisão mais ousada foi reprisar a Festa do Oscar legendada, num prazo que fosse permitido (pelas normas legais, se voce reapresenta um filme ou evento dentro de 24 horas, paga apenas uma exibição! No caso do Oscar tínhamos apenas 12 horas). Então mostramos de novo a Festa legendada na Segunda de manhã, o que significava que toda a turma da legendagem da HBO tinha que trabalhar a noite toda para fazer a tradução e colocar as legendas, sob as ordens da Claudia Dávila. Eu mesmo sai da transmissão e fui para lá dar palpites e sugestões, não que fosse tão necessário. Porque essa versão legendada, mas mantendo meus comentários, foi para mim, a melhor de todas as edições do Oscar de que eu participei.

Já a transmissão ao vivo não foi dessas maravilhas. Eu pedi a ajuda da Alessandra Castanho, que era apresentadora do Canal irmão Cinemax, para me dar uma mão, tanto no pré-show quanto nos intervalos. A verdade é que você precisa de um interlocutor, uma escada para conversar. Ninguém agüenta falar de quatro a cinco horas sozinho, sem parar, sem intervalo. Cansa você e o espectador. Neste caso, o pré-show entrou com o delay e como não tínhamos tradutores simultâneos mal consegui entender o que estava acontecendo. Esse foi o ano de Central do Brasil e justamente quando estivemos mais próximos de ganhar o Oscar. Se não fosse aquela loira aguada da Gwyneth Paltrow (o tempo demonstrou que ela tem muito ainda a aprender para merecer o Oscar que levou) ganhar da nossa Fernanda Montenegro. Mas chegar lá já foi muito e prova disso foi que Fernanda mal apareceu na transmissão (e o Waltinho Salles esse então nem foi mostrado). Americano faz festa para eles ou para amigos íntimos deles, como foi o caso do Roberto Benigni e sua A Vida é Bela. (O tempo novamente provou que ele era antes de tudo um chato, na primeira vez se acha engraçado, mas na décima piada igual, fica insuportável). Mas voltando ao assunto, terminei a transmissão extremamente cansado, até porque como diretor de uma emissora eu tinha certeza que não tínhamos condição de fazer aquilo, o resultado foi um milagre (ajudados por amigos como Teresa Guimarães, que retornou à emissora para ajudar a Maria Angela e o Fernando Cardoso de Sá a levarem a cabo a missão).

Mas aprendi a lição. Liberdade demais é ruim. É coisa demais para controlar e de alguma forma a gente acaba falhando. Prefiro mil vezes fazer com um bom companheiro como mestre de cerimonias, como o Renato ou Gabi, do que sozinho.

 

A Volta do SBT

Por fim, uma boa nova, o SBT comprou toda a produção da Warner e também da Disney, com quem eles já mantinham boas relações. É o chamado “output Deal”, ou seja, tudo que eles produzem o SBT pode e deve exibir. Acontece que a Disney é dona da cadeia de tevê aberta nos EUA chamada ABC, que por sua vez, tem o contrato de exclusividade com a Academia de Artes e Ciências de Hollywood para transmitir o Oscar. E os direitos dessa vez foram por cinco anos. Acho que este é o momento de pedir o testemunho de meu amigo Paulo Gustavo Pereira, que tem sido o produtor das transmissões. Eis seu depoimento:

 

“Comecei a gostar das transmissões do Oscar quando a Rede Globo apresentou a premiação de 1969, mostrando em suas chamadas uma exótica dança de um representante do Planeta dos Macacos, alardeando no palco que venceria o Oscar de Melhor Maquiagem. Não importava se era gravado ou com uma tradução que deixava os jornalistas mais críticos satisfeitos pelos erros cometidos no ar. Pra mim, o simples fato de acompanhar a festa mais importante do Cinema mundial, e me perdoem quem gosta do Festival de Cannes, era fascinante. Também não importava, naquele momento se ia dormir na madrugada de uma terça-feira, já que até 2000, a entrega do Oscar acontecia sempre na última segunda-feira do mês. Cansados dos gigantescos congestionamentos da cidade, a Academia atendeu a um pedido da prefeitura em Hollywood e começou a organizar a festa no último domingo de março.

Fã de Cinema como sou, dificilmente perdia a oportunidade de assistir a premiação, especialmente de ver o Rubens em ação. O homem sempre foi uma metralhadora de informações, especialmente quando no meio da transmissão apareciam aqueles clipes com vários filmes, e ele os identificava todos. É certo que alguns de seus companheiros de transmissão pisavam continuamente na bola, como ainda fazem até hoje. Mas a classe do “Homem do Oscar” nunca deixou a transmissão cair no ridículo. E olha que muita gente fez força para fazer isso...

O fato é que em 1994 estava fazendo um trabalho em Sorocaba quando do outro lado da linha o estouro de uma bomba fez meu mundo balançar, quase com a mesma potência de quando minha esposa me disse que estava grávida de minha filha Marina: o SBT iria transmitir o Oscar depois de quase 20 anos de hegemonia da Globo. E o melhor de tudo, queriam que eu fosse o responsável pela produção do evento! Acho que os anos produzindo matérias sobre Cinema nas redes Manchete e Record, aliado as minhas constantes colaborações em jornais e revistas de Cinema, acabaram sendo minhas credenciais. Também o fato que eu trabalharia 24 horas por dia só pelo prazer de fazer uma cobertura do Oscar que, com certeza, seria totalmente diferente do que havia visto na emissora do plim-plim.

Antes mesmo de voltar a São Paulo, já havia avisado que era necessário contatar o Rubens por que sem ele, o Oscar não teria sentido. Imagine a seleção da Copa do Mundo sem Pelé? É isso mesmo, não dá para imaginar. Para minha alegria e para a tranqüilidade geral da direção do SBT, Rubens Ewald Filho não só quis participar, como se colocou a disposição para divulgar a transmissão em todos os programas que a rede tinha no ar naquele momento. E aí começou a dor de cabeça.

O tempo era curto demais para organizar toda a transmissão, editar as chamadas e colocar o Rubens nos programas disponíveis no SBT. Entre o acordo fechado com a ABC, responsável pelos direitos de transmissão da Festa da Academia para o mundo, e a entrega do prêmio, tínhamos menos de 40 dias para fazer tudo. E não pense, meu caro leitor, que a equipe era gigantesca como o evento merece. Além de mim, o outro louco que veio mergulhar de cabeça no Oscar fora Marcos Ramos, com quem trabalhei em alguns veículos de Cinema e vídeo. Marquinhos ainda era um pouco verde em Televisão, mas depois de virar a primeira madrugada editando as chamadas sobre o Oscar, começou a tirar de letra, qualquer tipo de problema. Nossa sala era apertada, só tínhamos um computador, e uma grande disposição de fazer algo diferente. E fizemos.

Além de o Rubens estar nos municiando de informações sobre a premiação, já que Internet ainda era uma coisa embrionária, passávamos um bom tempo no telefone conversando com o Rubens sobre idéias de chamadas e sobre o “Minuto do Oscar”, um boletim informativo em forma de pergunta e resposta sobre a história do evento. Isso era algo que nunca havia sido feito pela Rede Globo e era necessário para que o público do SBT começasse a ter uma noção, embora pequena, de que a emissora de Silvio Santos iria transmitir o mais importante evento do Cinema, ao vivo para todo o Brasil. E nós nem tínhamos começado a lutar ainda.

Depois vieram as discussões sobre o cenário. Já que a Globo nunca mostrava quem estava apresentando, por que não poderíamos fazê-lo? O cenário foi construído para que duas pessoas fizessem a apresentação. E quem seria o companheiro do Rubens dessa primeira transmissão: o jornalista Boris Casoy. Mesmo com todas as suas obrigações na apresentação do Jornal do SBT, Boris nos ligava constantemente para saber detalhes dos indicados. A maior parte dos filmes indicados naquela época, entre eles A Lista de Schindler, Boris havia assistido. E aqueles os quais não teve tempo, foi onde ele acabou balançando. É como estudar para a prova e deixar de lado um dos capítulos, descobrindo horrorizado que a principal pergunta é sobre o capítulo não lido.

Tínhamos ainda outros problemas operacionais internos para transmitir tudo com muita segurança. São detalhes que foram críticos para o acerto final, como o ponto eletrônico com som direto de Los Angeles para os tradutores; comunicação eficiente com o repórter Arnaldo Duran que estava no tapete vermelho descrevendo a entrada da festa; e o contato direto com a repórter que estava no Gallery, cobrindo um evento sobre o Oscar.

Se tudo funcionou bem? Sim, tivemos até direito a um ensaio geral no dia anterior para ver se tudo estava tranqüilo. O Jô Soares, que havia sido convidado para estar com o Rubens, declinou do convite e preferiu fazer uma abertura especial para a transmissão (que quase ficou comprometida pelo excesso de zelo de um dos produtores do Jô, que insistia em colocar uma imagem da platéia, onde o corredor Airton Senna estava vendo a gravação, mesmo sabendo que a imagem não tinha qualidade técnica de ir ao ar).

Depois de tudo isso, lá fomos nós nos aventurar em terras desconhecidas. Sofremos críticas da transmissão? É claro, especialmente dos coleguinhas da imprensa que não assistiram a transmissão na noite, para ver o VHS gravado durante a madrugada. Mas mesmo assim, conseguimos fazer algo diferente. Era possível notar que o Rubens estava mais solto mais tranqüilo com a nova casa do Oscar. Casa onde ele estaria nos dois anos seguintes, e voltando ao SBT em 2000, quando a emissora recuperou os direitos de transmissão para o Brasil.

Voltava ao SBT, agora na nova sede da Anhaguera, com mais estrutura técnica e a mesma disposição de fazer algo diferente do que havíamos feito antes. Não sei se conseguimos totalmente, mas sempre é divertido tentar novamente...”

 

Parceiros

Nos primeiros dois anos, minha parceira foi uma jovem apresentadora que vinha da MTV e que se chamava Babi (parecido demais com Gabi, tanto que na primeira vez, eu me enganei e troquei o nome, fui corrigido no ar e retruquei chamando-a de Ana Bárbara seu nome real). Babi havia ficado famosa com um programa sobre sexo e foi convocada para ser minha parceira no Oscar, já que tinha bom inglês e desenvoltura. Para não dizer que era também uma bela figura (no segundo ano, criou-se enorme controvérsia em cima de um penteado estanho que ela usou, uma situação onde como sempre, eu me abstive). Trabalhar com ela sempre foi tranqüilo, sem surpresas (mesmo quando o SBT começava a inventar novidades, como aberturas pré-gravadas, mais elaboradas, um minuto do Oscar diário, tudo contribuindo para uma maior promoção do evento). Ao contrário da Globo que chamava a festa nas vésperas, o SBT começava meses antes. O que é o certo.

Em 2002, tive a surpresa de ser chamado para anunciar os indicados, numa Terça-feira gorda de carnaval, as onze e pouco da manhã, quando não muita gente estava assistindo. Foi uma experiência para mim inédita e assustadora, porque entramos no ar cinco minutos antes do fato começar. Acabou meu texto no tele-prompter e recebi a ordem pelo ponto: enrola até começar. Não sei até hoje o que eu falei ou sobre o que. Deve ter feito sentido porque fui chamado de novo para fazer o mesmo em 2003. O que é muito difícil. As indicações (apenas as principais) são anunciadas as cinco e pouco da manhã em Los Angeles, na Academia, por um diretor da Academia e um ator convidado. É tão cedo pela diferença de fuso horário. Eles querem pegar o noticiário da manhã cedo na Costa Leste (três horas de diferença) e por isso todos fazem o sacrifício de acordarem cedo. Para nós o fuso horário é de cinco horas, portanto num horário mais decente. O problema é como fazer a transmissão, já que eu preciso, ver, anotar, narrar, tudo ao mesmo tempo. E rápido.

Sem tempo sequer para torcer para que o filme brasileiro seja classificado entre os finalistas (já que isso obviamente mudará o estilo da cobertura do evento nesse ano).

Mas quanto à transmissão estava mais tranqüilo, até por causa da presença de Gabi. Nem por isso deixei de ficar nervoso, com as mãos geladas. Com medo de fazer bobagem, de ficar com calor (sabe como é ar condicionado de estúdio, ou é frio ou esquenta demais!). De deixar cair o ponto do ouvido (onde eu ouço o som internacional que vem dos EUA mas também as interferências do diretor Paulo Gustavo).

Na transmissão de 2002, eu levei para me ajudar, meu assistente Felipe Goulart. Depois ele descreveu suas impressões na coluna Trailer do site do jornal A Tribuna de Santos e que agora eu reproduzo:

 

Nos Bastidores do Oscar

por Felipe Goulart

“A Academia fez história neste Domingo! Pela primeira vez em 74 anos, uma atriz afro-americana foi premiada como a melhor do ano. E mais ainda, um ator negro no mesmo ano (lembre-se que só o homenageado Sidney Poitier havia ganho um Oscar como protagonista, em 1963 por Uma Voz nas Sombras). Halle Berry contagiou a todos com sua emoção incontrolável. E Denzel quem diria, ganhou o Oscar interpretando um corrupto policial americano.

Mas não vou ficar comentando o que todos já viram (e falaram também!). Essa reportagem especial para o Divirta-se, foi feita diretamente do Estúdio 2, do SBT (onde é gravado o “Disney Cruj”, por exemplo). É isso mesmo. Estive lá, acompanhando ao vivo a transmissão da 74ª Festa do Oscar. E foi uma experiência e tanto!

Quando foi 19:00, o motorista do SBT veio nos pegar em casa. Já no camarim, estavam postos a mesa, pães, frutas e frios. Encontramos Marília Gabriela já se maquiando e tentando aliviar a tensão de sua reestréia no SBT, afinal, ficar mais de 4 horas ao vivo não é brinquedo não!

Estávamos todos vendo a entrada no Tapete Vermelho, com sinal exclusivo, direto da ABC americana, quando avisam o Rubens para se aprontar que a qualquer minuto, Silvio Santos os chamaria no ar, fazendo um link com a “Casa dos Artistas 2”. Pânico em todos. Será que ele vai pedir pra votar em alguém? Nunca que se sabe o que esperar do Silvio!

Quando o Rubens e a Gabi já estavam no Estúdio, prontinhos, ele manda avisar que não irá mais chamar ao ar. Ufa, alívio geral! Que nada, em menos de cinco minutos ele mudou de idéia e Priiiiiiiim, toca a campainha, o diretor do programa grita: – “Todos em Silêncio, o Silvio vai chamar a qualquer momento!”. E desta vez chamou mesmo! Mas foi tranqüilo, rapidinho.

Todos nós acompanhávamos pelos monitores espalhados no estúdio, as imagens da ABC. Eram umas 15 tvs, de todos os tipos: Tela Plana, Tradicional, Widescreen, 14 Polegadas, 29’, etc. Quando a transmissão da entrada foi se encerrando, os créditos finais subindo, sabíamos que a qualquer instante começaria a cerimônia.

Engraçado que eu que não tinha nada a ver com aquilo, fiquei super nervoso. É verdade, a adrenalina contagia a todos. Estavam ali atrás das câmeras, mais de 20 profissionais, cada um com sua função. E eu também tinha a minha, ainda que sossegada, mas tinha. Além do que, fica a pressão de não poder espirrar, tossir nem nada que faça ruídos.

Como eu preparei o roteiro para o Rubens, com as curiosidades, idade, nacionalidade de cada indicado, prêmios anteriores, estava com uma cópia em mãos, acompanhando se ele esquecesse de falar algo. Mas não foi preciso. Os X anos de memória e profissão foram suficientes (o X é porque ele não me permitiu divulgar a idade!).

É engraçado como as coisas são nos bastidores. Tudo está pronto, previamente testado e ensaiado. Quando chega nos 30 segundos antes do início da transmissão, tudo falha!!! O monitor não funciona, o outro está passando a imagem errada, o Tele-prompter (onde os apresentadores lêem o texto na câmera) está com o texto errado e fora da ordem correta, o ponto (aquele aparelhinho que vai dentro do ouvido, para receber informações do diretor e o som original da transmissão) está conectado na “Casa dos Artistas”! É um pânico, dá um desespero, ainda mais porque tudo isso acontece depois que soa a campainha dos trinta segundos para entrar no ar!!! Mas todos tiraram de letra.

O Rubens eu nem me atrevo a falar, porque aí vão dizer que eu sou puxa-saco e tal, então nem perco o meu tempo! Agora a Gabi eu posso falar porque nunca a tinha visto antes. Ela é sem dúvida, a apresentadora, entrevistadora, enfim, a mulher mais preparada da TV brasileira na atualidade. Super antenada, por dentro dos acontecimentos e dos filmes em cartaz. Passou por todos os problemas de bastidores sem perder a calma, com extrema competência (ainda que uma mosca insuportável rondasse a mesa por mais de 4 blocos!). Mesmo estando gripada, agüentou firme até o fim. Isso porque o ar-condicionado estava fortíssimo (eu de manga comprida passei frio), imagine ela com aquele vestido decotado! Ahh, e ela também é muito bonita pessoalmente, mais ainda do que na TV.

Enfim, essa foi a minha inesquecível experiência de assistente do comentarista do Oscar. E é assim que a gente vai começando... observando e vivenciando esses momentos ímpares. Quem sabe daqui há uns vinte anos eu não esteja agradecendo o Brasil pela minha primeira estatueta?!?!?!”

 

 2003

 A aventura porém não para. No Oscar 2003, referente ao ano anterior, o Brasil perdeu a chance de ter um indicado a filme estrangeiro, quando rejeitaram Cidade de Deus, uma fita pela qual eu lutava desde quando a assisti em Cannes, em maio do ano anterior. A desculpa parecia ser que ela seria violenta demais para os velhos votantes da Academia (e aqueles que me reclamavam que os filmes estrangeiros eram lentos demais?). Enfim, tivemos como consolo, o fato de um dos indicados a Melhor Filme de Animação, A Era do Gelo, tinha um co-diretor brasileiro, Marcos Saldanha e que Caetano Veloso cantava a música tema do filme Frida, de Julie Taymor, que se chamava “Burn it Blue”. Isso quer dizer que teoricamente ele teria obrigação de se apresentar cantando ela (em inglês como no disco) na festa do Oscar.

Por outro lado, tive que pagar um mico. Estava tudo preparado para fazer a apresentação ao vivo pelo SBT, dos indicados, via satélite, onze e meia da manhã. Estava vestido e maquiado no estúdio, com tudo pronto, quando a imagem simplesmente não apareceu. Acabamos entrando com uma hora de atraso com o boletim pré-gravado e assim mesmo apenas para São Paulo (mais tarde, foi gerado para o resto da Rede mas nunca soube se entrou). Ou seja, por mais que a gente queira, continua na mão da tecnologia. Que falha. Lembro as vezes que na Globo eu ficava de stand-by, em outro estúdio, caso o sinal do satélite caísse ou falhasse e fosse preciso dar uma satisfação ao telespectador, no estilo “Falha nossa”. Nunca sucedeu mas é bom se precaver. E dar graças a Deus não ter entrado antes, esperando o satélite e uma imagem que nunca viria. Aí sim seria desastroso. Por isso, quando me perguntam se ainda fico nervoso, numa transmissão ao vivo, até rio. Claro que fico, com as mãos geladas e suando. Lógico porque ao vivo tudo pode acontecer e acontece. Ainda mais quando o assunto é Oscar.

 

A Grande Ilusão

 

O Oscar – O Meu Lado da História

 

Não sei dizer bem como o amor pelo Cinema começou. Amor é uma palavra forte mas apropriada. Mas deve ter sido em algum momento da minha infância reprimida e bloqueada. Não me lembro nada de antes dos cinco anos. Dali até os nove quando nasceu meu único irmão, tenho alguns flashes do que era minha vida, mas pouca coisa. Suponho que deviam ser lembranças doloridas que para me proteger, o subconsciente bloqueou. Poderia ter feito algum tipo de regressão mas já havia tentando análise (freudiana ou não) e preferi deixar como estava. Porque de qualquer forma eu tinha minhas lembranças. E elas não eram ruins. Ao contrário, eram quase todas boas porque eu me lembrava perfeitamente dos filmes que assisti quando criança.

     Não sei que mecanismo mágico me protegeu quando criança, mas o fato é que esse vício adquirido em pequeno foi o que me salvou através de anos de insegurança, complexos e relacionamentos mal resolvidos. Quando tudo o mais falhava, sempre me restava o Cinema. E isso ainda é verdade, quando sofro alguma rejeição, pessoal ou profissional, o Cinema nunca me trai. Ainda mais agora, que você pode ter seu filme favorito em casa, em vídeo ou DVD. Ou seja, de certa forma você nunca está sozinho.

Pois o Cinema foi meu parceiro de infância, meu amigo não tão imaginário assim. Foram seus personagens que saíram da tela e povoaram minha imaginação. Como era uma criança solitária, não tinha com quem dividir essa paixão, talvez secreta. A família, mais particularmente, os pais, embora me levassem para ver os filmes, nunca aprovaram que eu fizesse algo mais efetivo na aérea. Era coisa de viado e puta. Deus me livre usar essas palavras, obviamente proibidas e nunca ditas. Eram usados eufemismos mas muitas vezes para conseguir ver um filme era preciso uma longa negociação, em parte para levantar o dinheiro (a família estava bem de vida, mas só percebi que éramos ricos quando perdemos quase tudo!), em parte para driblar os porteiros (a censura na minha época era bastante relativa, ainda mais numa cidade de interior como Santos, mas havia um porteiro no cine Atlântico, que era o pavor de todos os que, como eu, falsificavam as carteirinhas da escola).

Nunca fui muito de cabular aula para ver filmes. Sempre era possível assisti-los, numa época em que havia uma enormidade de salas nos bairros, em programas duplos.

Curiosamente, tão importante quanto assisti-los, era saber sobre eles. E meus companheiros e guias eram duas revistas editadas no Rio, a Cinelândia e a Filmelandia. Não tinha na época, idéia de que elas eram licenciamento de duas revistas americanas, respectivamente a Modern Screen e a Screen Stories. A Cinelândia era uma revista basicamente de fofocas trazendo colunas de Louella Parsons e Sheilah Graham (e por vezes até de Hedda Hopper, ou seja das três maiores mexeriqueiras de Hollywood) mas com igual ênfase  no Cinema Brasileiro e Paulista (Liba Frydman fazia o panorama paulistano e ela nunca soube quando virou minha amiga, a honra que foi conhecê-la). Mesmo assim, era muito melhor do que qualquer similar nacional, inclusive atualmente. Mas não há como comparar. São  mundos diferentes.

     O importante é que foi através dela que tomei conhecimento com a importância que o Oscar tinha para a Indústria do Cinema e o público em geral. Se bem que mais do que a Cinelândia (eventualmente a mãe me fez jogar fora a coleção delas e o melhor presente que eu recebi foi nos anos 80 quando um antigo jornalista do Variety, radicado no Brasil me presenteou com a coleção completa da Revista, encadernada), eu preferia a Filmelândia, porque ela trazia de forma novelizada todos os filmes principais do mês. Quando digo novelizada é o seguinte: a revista tinha acesso direto ao roteiro do filme e a partir dele faziam uma espécie de resumo completo, como um longo conto, onde contavam a história em detalhes (por vezes, era até possível descobrir quando houve cortes na edição final ou mudanças de última hora porque a novelização não batia com o filme que chegava as telas!). Então, mesmo que você não tivesse idade para ver o filme, podia ficar sabendo tudo dele, principalmente a história, que eu lia e relia e até hoje sei algumas de cor. Quando eventualmente escrevi telenovelas isso me serviu porque tinha na cabeça as cenas e as variantes que determinada situação poderia ter.

     Passei a seguir os Oscars, suas indicações e vencedores pelo jornal local, A Tribuna de Santos, em meados dos anos 50. Lembro como torcia por Susan Hayward de quem era muito fã, na sua luta de alguns anos para conseguir levar a estatueta. E naturalmente o auge foi todo o escândalo Elizabeth Taylor, quando ela ficou viúva e roubou o marido da melhor amiga Debbie Reynolds, que por acaso era minha favorita (desde Quando Fala o Coração/ Two Weeks with Love, feito pouco antes de Cantando na Chuva). E quando Elizabeth ganhou, a gente devorava as fotos e as notícias (não recortava as revistas, a mãe não deixava picar papel, porque diziam que dava azar. No fundo foi uma boa coisa porque conservaram todas elas).

E mesmo moleque, já saibamos que o Oscar era o maior dos prêmios, mas não necessariamente para o melhores do ano. Era um prêmio também de consolação, de consagração melhor dizendo. Se não como explicar que a própria Elizabeth Taylor tenha ganho um Oscar pela sua interpretação mais fraca, a de Disque Butterfield 8. Só porque ela havia quase morrido e sofrido mesmo uma traqueostomia.

    É lógico que eram outros tempos e não havia televisão  mostrando tudo na hora, ao vivo. Mesmo porque a família também tinha problemas com tevê que foi entrar em casa em meados dos anos 60 (quando queria ver o Teatro da Juventude ou o Sítio do Pica-pau Amarelo, de Julio Gouveia e Tatiana Belinky, na antiga Tupi, tinha que andar até a casa da avó e pedir o favor de deixar-me assistir os programas).

Certamente há coisas piores na vida do que isso e nem quero parecer cheio de auto-piedade. Ao contrário, cada dificuldade me fazia ter mais vontade de saber mais de Cinema, me envolver mais (embora não soubesse de que maneira concreta). Quando a festa de entrega dos Oscars começaram a ser apresentadas no Brasil, tenho certeza de ter assistido todas. Na verdade, fui com meu amigo Armando Bravi ao Museu da Imagem e Televisão em Nova York, onde conseguimos pegar emprestado e assistir alguns dos shows antigos que tinham disponíveis, tais como Debbie cantando “Tammy” na festa de 1958 (havia alguma coisa errada, ela nunca cantou tão mal, parecia desatenta) e a famosa festa levada por Jerry Lewis que acabou cedo demais e as pessoas ficaram cantando “There´s no Business like Show Business” tentando esticá-la (na cópia que eu vi é menos tempo e menos constrangedor do que os historiadores fazem crer).

Parece que foi a Excelsior a primeira a transmitir, ainda com Bibi Ferreira como narradora, e depois passou por vários canais, até mesmo a Record. Na Globo, o Daniel Filho fez uma transmissão como comentarista (e conforme me contou, aproveitou para realizar o sonho de conhecer Fred Astaire, apresentador naquele ano). Infelizmente quando chegou o meu tempo, já tinham chegado a conclusão que era inviável transmitir de Los Angeles e a melhor solução era ficar no estúdio no Brasil, vendo monitores com o som internacional, mais ou menos como fazem com futebol e corridas de automóveis, os comentaristas esportivos.

Então é bom eu desfazer a ilusão. Também assisti O Homem que Matou o Facínora, de John Ford, e sei da mensagem de que quando a lenda  é mais conhecida do que a realidade, imprime-se a lenda. Sei tanto, que tenho certeza de que mesmo contando tudo, sei que não vai adiantar. As pessoas ainda vão continuar me parando na rua e me chamando de Mauricio (Kubrusly), me perguntando pela Helena (a mulher dele). E imagino que ainda esteja acontecendo a mesma coisa com ele, isto é chamando-o de Rubens, apesar de sermos totalmente diferentes (apenas usamos barba e trabalhamos juntos por uma dezena de anos na Rede Globo, eu saí, ele continuou). De qualquer forma, é sempre uma lição de humildade. Faz baixar a crista, quando a gente começa a se sentir importante demais.

 

As Transmissões

 

Enfim, as transmissões da Festa do Oscar são feitas aqui mesmo do Brasil, na Globo no Rio de Janeiro, no SBT na sua sede, município de Osasco. Ficamos sentados diante de monitores (nada de TV de plasma ou nada especialmente sofisticado, aliás monitor de estúdio jamais está regulado direito. Essa é a regra número um de qualquer TV). Portanto eu nunca fui assistir ou cobrir ao vivo, em pessoa, uma festa do Oscar.

Desapontado? Eu não. Acontece que a imprensa não tem acesso a sala onde ocorre o espetáculo, ou seja ao auditório. Ficam todos confinados numa sala vizinha, onde continuam assistindo tudo por monitores, com a diferença de que entre cada prêmio tem alguns minutos para fazer perguntas rápidas aos premiados, que fazem uma coletiva relâmpago (já repararam como não há fotos da festa tiradas do auditório?). É por que fotógrafos também não tem acesso. Fotos só na sala de imprensa (onde um painel com o desenho do Oscar do ano), ou então tiradas da televisão, da transmissão.

Conforme nos conta a amiga Paoula Abou-Jaudé neste livro, noutro capítulo, cobrir o Oscar é uma fria, uma tarefa pesada, onde você disputa tudo no corpo-a-corpo, tem acesso mais do que restrito (ainda mais agora com medidas de segurança pós 11 de setembro). Tudo porque basicamente não há uma Festa de Oscar, o que sucede é apenas um programa de Televisão, feito para a TV, programado para ela. Quando há um intervalo comercial nada sucede no auditório, atualmente o Teatro Kodak, a orquestra fica tocando uma música de fundo enquanto todos correm para ir ao banheiro ou tentar conseguir alguma coisa para comer (porque a festa começa cedo e dá fome!). E para as cadeiras não parecerem vazias, existem pessoas contratadas especialmente para serem as “fillers”. Ou seja, a função é apenas sentar e dar a impressão de que a platéia está sempre repleta. Tudo isso a gente pode até mesmo ver pelos monitores do estúdio (a única vez que me lembro de suceder algo nos intervalos, foi quando pediram para os vencedores reduzirem os agradecimentos. E uma vez um apresentador tentou esquentar a platéia fazendo mais algumas piadinhas, acho que foi o Billy Crystal. Mas acredite, você não está perdendo nada.

E a festa do Oscar não é o melhor momento de encontrar os atores pessoalmente ou conversar com eles. Um Festival de Cinema é sempre mais fácil e apropriado, de Sundance à Veneza (que é o mais tranqüilo nesses casos) e até mesmo Cannes (onde você cruza com eles na rua ou nos hotéis). Eles tem mais boa vontade quando estão promovendo algum filme do que quando saem desapontados por perderem (não esqueça que para cada vencedor há sempre quatro perdedores que estão loucos da vida mas fingindo que não se importaram nem um pouquinho com a humilhação pública que acabaram de sofrer).

 

As primeiras festas

           

            O Oscar chegou a mim, meio por acaso. Com o passar do tempo, passei a reunir os amigos em casa, na noite do Oscar, numa espécie de festa particular. Tinha pouca bebida, pouco espaço (o apartamento não era muito grande e as pessoas se sentavam no chão, sempre amigos como Edison Paes de Mello e sua mulher Irene Ravache, não celebridades. Até porque não existia revista Caras na época).

A festa foi com o passar dos anos se incrementando e começou a surgir uma espécie de Bolo (como o Esportivo) onde fazíamos apostas e brincadeiras. Certa vez, o jornalismo da Globo estava procurando cobrir uma dessas festas. Quem pode contar essa parte da história melhor foi o repórter da Globo, Lázaro de Oliveira, hoje no Metrópolis, na Rede Cultura... para quem eu pedi este testemunho:

 

Texto dele:

Rubens Ewald Filho – O Oscar é Seu

 

“Acho que o indicado é o Rubens, aquele do Jornal da Tarde que faz a coluna de filmes na TV. Foi essa simples indicação que levou o Rubinho, como a turma do Cinema trata o Rubens Ewald, à Rede Globo de Televisão. Quem pedira o meu palpite foi o diretor regional de jornalismo Luis Fernando Mercadante que pretendia dar ao então Jornal Hoje uma nova cara com críticos em cada área. A  pergunta me foi feita de sopetão em uma reunião informal de trabalho e foi o primeiro nome que me veio à mente. E não veio a toa, tinha uma história atrás dessa lembrança.

Meu contato com o Rubinho foi através de amigos comuns e que através deles soube um belo dia que assistir a transmissão do Oscar na casa dele era uma festa e juntei o útil ao agradável. Convenci meu chefe de reportagem Laerte Mangini que aquela era uma bela pauta e que não precisava sair pelas noites de São Paulo procurando uma matéria sobre o Oscar. E na noite da transmissão do Oscar lá fomos nós. Eu e meu fiel cinegrafista Ivo Coelho. E que festa. Todos os convivas falantes ,dando palpite, apostando nesse ou naquele diretor. O que impressionou foi a decoração para o evento. Posters, livros, LPs – sim, os CDs ainda não existiam, com trilhas sonoras, revistas, tudo sobre Cinema. Ledo engano, não havia decoração era o seu dia a dia, o Rubinho respirava Cinema em tudo. Só faltava ver naqueles pratos onde os salgadinhos eram consumidos rapidamente as imagens das estrelas de Cinema dos anos 40.

Era de dar inveja para quem um dia tentou a insana tarefa de tornar fácil ao leitor a escolha dos filmes que seriam exibidos na TV. Algo como a previsão do tempo, assim como os meteorologistas nunca acertavam se chovia ou fazia sol, as emissoras nunca exibiam os filmes que programavam. E a dura tarefa de descobrir que a antiga TV Record ia exibir o filme Algemas de Cristal tinha por título original “The Glass Menagerie” e era a versão para o Cinema de uma obra de Tennessee Williams. Naquela época a Internet nem existia e as enciclopédias de Cinema eram caras. Tudo pronto pra começar a transmissão do Oscar e começa a surgir na tela da TV imagens de filmes antigos. E um a um o Rubinho ia detonando, dava o nome dos atores, o nome do filme, o ano e o diretor e se tinha ganho algum Oscar. A agilidade verbal e mental para ir narrando me surpreendeu. Esse cacoete ainda existe quando assistimos o Rubinho narrar o Oscar, a ansiedade de ir testando sua memória durante a exibição de trechos de filmes antigos e a perplexidade de ser surpreendido por uma imagem pouco conhecida. Esse foi o primeiro ano.

 E não é que a matéria tinha dado certo. Um jovem jornalista, que fala bem, e bonito com pinta de galã acertara quase todas as categorias do Oscar daquele ano. No ano seguinte, sem que eu sugerisse veio o pedido de voltar a casa do Rubinho para acompanhar mais uma noite do Oscar. Nesse ano iríamos fazer um perfil daquele meu herói, sim meu herói que evitara no ano anterior que saísse sem rumo na madrugada atrás de uma matéria sobre o Oscar e me oferecera uísque, um bom sofá e uma bela entrevista. Sempre achei que quem coleciona latinha de cerveja vazia, maço de cigarro deveriam procurar um psicanalista. Digo isso por que o perfil que fiz do Rubinho no ano seguinte mostrou seu lado obsessivo pelo Cinema. Me exibiu com certo orgulho um monte de cadernos, desses escolares, onde desde a adolescência anotava os filmes que assistia. Tinha ficha técnica com diretor, atores, diretor de fotografia, assim por  diante e já dava sua avaliação com relação ao filme. Isso tornou o Rubinho num crítico que tem a perspectiva do público. Que revela ao leitor que tipo de filme ele vai encontrar. Mas o melhor mesmo são os comentários jocosos e sarcástico dos atores e atrizes durante a premiação do Oscar, quando não mordaz. Soube mais tarde, com o advento das fitas de vídeo, que assistia dois filmes ao mesmo tempo. Agora sim, nesta situação é preciso procurar uma ajuda terapêutica.

Foi isso que me levou, sem pestanejar, sugerir o nome

do Rubens Ewald Filho e que acabou virando uma grife. Em que ano foi, não sei direito. Foi nos anos 70. A data exata, quantas vezes estivemos juntos no Oscar é só perguntar a ele. O Rubens tem boa memória o que não é o meu caso.”

 

Na minha versão, afinal a memória não é tão perfeita assim, eu apenas dava os palpites e ele gravava, claro que antes da transmissão. E no final, conferia. E eu sempre acertava, inclusive na vez de Rocky, o Lutador. Isso acabou acontecendo alguns anos seguidos até um dia em que a Globo precisava de alguém para participar de um debate sobre o Oscar, que serviria para encher o tempo. A festa começava as onze da noite e antes, por volta de 15 a 20 minutos, iriam fazer esse debate sobre o prêmio. E chamaram o Luís Carlos Barreto e Arnaldo Jabor. Mas não haviam encontrado um critico. E lá fui eu para o Rio às pressas (não havia cachê), deixando a festa em casa rolar sem mim. Confesso que cheguei a ter algumas dúvidas porque havia largado a Rede Globo poucos meses antes, onde havia escrito uma telenovela “Gina”, cuja gravação havia sido muito conflitada. Já estava na Tupi fazendo outro projeto e não tinha mais qualquer ilusão quanto a antiga Venus Platinada, onde nem fora buscar meus papéis de fim de contrato.

O debate foi curioso, porque obviamente Barretão e Jabor falaram mal do Oscar e defenderam o Cinema brasileiro, com toda a veemência daqueles tempos (estou falando em 1979, a festa em que O Franco Atirador iria ganhar). Somente eu defendi a Festa e o prêmio, sem mentir ou exagerar. Usando o meu velho argumento de que reúne o melhor e o pior de Hollywood, que é sempre um espetáculo, ocasião rara de se ver os astros famosos ao vivo (ainda mais naquela época) e assim por diante. A diretora de Jornalismo   da Rede Globo, Alice Maria, ficou louca da vida com os dois, até porque era muito estranho ter duas pessoas falando mal de uma atração caríssima que a Globo iria transmitir dali a pouco. Não fazia sentido. Aquele ano perdi o comecinho da transmissão e fui correndo ver na casa do meu amigo Álvaro ainda no Rio.

No ano seguinte novo chamado do Jornalismo do Rio para outro debate. Mas as coisas desde então haviam mudado. O Jornalismo da Globo em São Paulo resolvera me chamar dentro de um projeto de reformulação da cobertura jornalística das artes, aproveitando que se anunciava a abertura política no governo Figueiredo. Parece que a idéia foi da Vera Iris e abençoada pelo então diretor Dante Matiussi. Como os filmes começavam a ser liberados fazia sentido ter alguém especializado para falar neles. Na verdade, no projeto entramos o Sábato Magaldi para falar de Teatro (hoje ele é imortal da Academia Brasileira de Letras e nada mais merecido porque ele é um intelectual brilhante e um irrepreensível colega), o Jacob Klintowitz para falar de artes plásticas e o Mauricio Kubrusly para cuidar da música e shows. (Todos eles eu conhecia em maior ou menos grau do Jornal da Tarde, do Estado de São Paulo, sendo que Mauricio chegou a ser meu chefe na Editoria de Variedades  e como é um pessoa altamente criativa, foi ele quem deu o nome de “Os Filmes de Hoje na Tevê” a uma coluna diária que por anos escrevi naquele jornal).

Poucos se deram conta disso e não é nada agradável defender causa própria. Mas nós fomos os primeiros na Globo a falar mal de alguma coisa, numa época em que tudo era ainda sem opinião, sempre favorável. Não podíamos falar  mal do governo, logicamente, mas criticar Rambo, Stallone, o Governo Reagan, Arnold Schwarzernegger e até mesmo filmes brasileiros, em rede nacional, era um fato inédito. E se pensar bem, importante.

No ano seguinte, houve uma reunião prévia antes do debate. A transmissão da Globo era comandada por Hélio Costa (atualmente Senador da República por Minas Gerais), então chefe do escritório da Globo em Nova York, que vinha de lá especialmente para conduzir o evento. Ele tinha por sinal um amigo na Voz da América (onde  trabalhou muitos anos) que lhe preparava umas fichas implacáveis e que ficava em Los Angeles, com um ponto eletrônico passando informações de bastidores porque de Cinema ele nada entendia. E pouco via dos filmes novos. Com o passar do tempo, foi cada vez se interessando menos pelo assunto e confiando mais nas fichas.

Mas eu devo a Hélio, que não vejo a anos, desde que se envolveu em política no seu estado natal de Minas Gerais, a sugestão de me colocar na transmissão. Alice aceitou a idéia e lá fomos nós para o estúdio, sem maiores preparações. O mais curioso é que eu não tinha microfone ou bancada preparada para mim, já que foi tudo armado na última hora. Muito menos roteiro. E pior que isso. No estúdio não pode ter som, porque os comentaristas e tradutores (me lembro também da presença de Hilton Gomes, famoso locutor de Festivais) tem que ficar ouvindo o som internacional limpo (se for o som da transmissão nacional, ele dá um delay, um pequeno atraso, que leva você a loucura). Então, eu ficava sentado num canto, diante de outro bendito monitor, sem ouvir o que eles estavam falando direito e também sem ter o som original. Ou seja, adivinhava o que se passava e aí falava alguma coisa sobre a premiação aproveitando os breves instantes de silêncio, em geral o tempo em que o premiado levava para sair de sua cadeira e chegar ao microfone.

Não imagino como posso ter me saído bem (um detalhe; eu tenho gravado em VHS a maior parte das transmissões, ao menos a partir de 1981 mas jamais tenho a coragem de ouvir ou rever o que eu fiz. Sou crítico demais comigo mesmo para ter coragem disso. Como muita gente, odeio me ver a não ser quando ainda posso mudar ou corrigir algum defeito ou falha). De qualquer forma, no ano seguinte, lá estava eu de novo. Nessa outra passagem de tempo, já tinha afirmado minha posição como comentarista de Cinema de toda a rede, ou seja, deixei de ser local e virei nacional.

Um parênteses curioso: sempre fui muito desligado de nomes, cargos e pessoas. Jamais me aproximo dos poderosos e com freqüência nem sei direito quem é quem. Enfim, de vez em quando ia para o Rio fazer ao vivo o jornal Hoje, com minha amiga Leda Nagle. Depois de um desses programas, alguém me procura na saída e vai dizendo: “Você tem uma figura boa, gostei do que está fazendo. Acho que está indo muito bem”. E apertou minha mão sorridente. Eu retribui claro, grato como sempre, quando me elogiam. Mal sabia eu que as palavras eram de Armando Nogueira, diretor de Jornalismo de toda a regra e naquele momento ele estava me aprovando. Se fosse ao contrário, eu estaria cortado e fora do ar. Foi bom passar por um teste, sem perceber.

E nos anos seguintes, repetiu-se a fórmula. Sumiu o Hilton e acabou ficando o Hélio, suas fichas e a presença de Elizabeth Hart como tradutora (uma grande profissional). Ele aos poucos foi ressentindo minha presença (teve vez em que a Alice Maria teve que descer no estúdio e mandar ele deixar eu falar. No fundo, não me preocupava muito em falar no princípio, porque sabia que com mais de três horas de transmissão ao final as pessoas ficam caladas e você pode tomar a palavra).

Outro ritual que foi se criando foi o do roteiro. Nunca tivemos nem na Globo, nem no SBT, ou seja nunca mesmo, um roteiro final da Festa. Sempre tivemos o primeiro roteiro aquele que depois era modificado nos ensaios (prêmios que mudavam de ordem, muita coisa que era cortada) e que por absurdo que pareça, foi ficando cada vez menor, mais enxuto. Em geral eu o recebia e ainda o recebo apenas na Quinta ou Sexta-feira anterior à transmissão (que era antes na Segunda, agora é Domingo, mas o roteiro continua chegando em cima da hora). Portanto ele era cheio de falhas e erros, me obrigando a partir para adivinhações. Nunca nenhum deles trouxe uma identificação das cenas ou montagens que aparecem na festa. Aos poucos, fui passando a identificá-las e isso virou uma marca registrada. As pessoas me cumprimentam e conhecem pelo que acham que é uma memória privilegiada. Nem tanto. Mas morro de medo de errar, até porque realmente tenho que reconhecer tudo que aparece na hora. Nada consta do roteiro. E o tempo para reconhecer e dizer o nome da pessoa ou do filme é sempre curto demais.

O último ano que Hélio fez o evento, ele chegou ao máximo de levar sua esposa norte-americana para o estúdio e a sentou do seu lado, quase de mãos dadas. Impedindo qualquer contato meu com ele, mal nos dissemos boa noite. Nessa altura as fichas dele já serviam para pouco.

Quem o substituiu foi outro tipo de pessoa, um jornalista com quem eu já tinha trabalhado em Cannes, quando ele fora correspondente no exterior. Como todo mundo sabe hoje, o Renato Machado é um gentleman, um homem culto, educado, informado, incapaz de uma grosseria. Trabalhar com ele sempre foi um prazer, até porque me deixava o espaço para falar e mesmo trocarmos idéias. Contracenar se preferir (afinal Renato começou como ator de Teatro e Cinema).

O problema da transmissão da Globo era um único. Nunca sabíamos quando ela iria começar. Porque havia um filme na Segunda-feira, o Tela Quente, por mais que colocassem uma fita curta de cerca de 90 minutos (não havia menores e isso garantia Paulo Perdigão, programador da casa e um notável conhecedor de Cinema). Ou seja, entramos sempre com atraso, que podia variar de alguns poucos minutos até meia hora. Invariavelmente perdíamos sempre o show de abertura e o monólogo do apresentador (onde tinha em geral as melhores piadas, ainda que intraduzíveis). E também um ou dois prêmios iniciais, sendo que um deles era importante, o de Ator Coadjuvante. Depois eu tinha que encontrar um lugar para mencionar de passagem, porque a instrução superior era não falar nunca que entramos atrasados ou que perdermos algo.

 

A Ruptura

 

Foi assim por toda a década de 80. Só que ocorreu um fenômeno chamado Collor e houve mudança de diretoria na Rede. Saiu Alice, saiu Armando e a Cultura, o próprio Cinema foi perdendo espaço no país e na Rede. Recebi uma oferta da Rede Record, inclusive para ter um programa exclusivamente meu e para ser selecionador e programador de filmes e séries do Canal, que passaria a ser dirigido por Dante Matiussi (já nos primeiros tempos da Igreja Universal). Era uma boa oportunidade com novos desafios e melhor salário. Como não dependia apenas da Televisão, tinha meus outros empregos ou bicos, me desliguei da Globo. Com certo pesar, porque deixava amigos (de quem eu gostava e com quem sempre me dei bem). Também sem mágoas. Nunca sofri pressões ou fui obrigado a comentar nada contra meus princípios e opiniões. E mesmo quando pressionados, às vezes por exibidores ou distribuidores, irritados porque eu tinha falado mal de algum filme deles,   sempre souberam me julgar e defender.

Mas é a vida, sempre feita de escolhas. E naquele momento achei melhor sair, primeiro na Record onde passei um ano aprendendo muito (afinal era a primeira vez que produzia um programa sozinho com um mínimo de recursos e sem a estrutura da Globo) e logo depois inaugurando a TV por assinatura no Brasil, com a Abril, no que seria a TV Showtime. Ou seja, eram tempos bons, cheio de crescimento pessoal e profissional. Só tinha um porém: não podia fazer mais a Transmissão do Oscar.

O primeiro ano sem o Oscar confesso que foi muito duro. Agora em retrospecto é que lembro que poderia ter aproveitado a chance para ir pessoalmente assistir a festa. Não me ocorreu não sei porque. Talvez por guardar uma certa mágoa de não poder estar presente ali (ao menos substituído pelo amigo Maurício Kubrusly). Nos dois anos seguintes, houve um outro convite inesperado. As distribuidoras de Cinema organizaram uma festa no hotel Maksoud para acompanhar a entrega já que naquele momento, existia a TV por assinatura que mostrava o show na íntegra, sem tradução (no caso pela Globosat). E eu acabei sendo o apresentador ao vivo da festa, outra vez sem cachê, apenas pelo prazer (embora numa festa dessas as pessoas começam a beber, falar alto e se torne impossível prestar atenção em algo).

 

A Volta

 

Foi quando em 1994 o SBT comprou os direitos do Oscar por três anos, tirando-os inesperadamente da Globo. Por coincidência, naquele momento eu fazia parte do quadro de funcionários da Emissora porque estava reescrevendo a telenovela “Éramos Seis”, uma nova versão do texto que Silvio de Abreu e eu tínhamos feito para a TV Tupi em 1977. Como já estava por lá, não foi difícil pensarem em mim. Fui falar com o Ricky Medeiros, que seria responsável pela transmissão e ele já foi falando: o Silvio (Santos) disse que nem precisa te pagar, que você faz mesmo de graça. Para se ver que o Silvio é mesmo sábio, era bem capaz mesmo de tê-lo feito. Mas não foi o caso. O SBT vinha com algumas idéias revolucionárias, começando pela proposta de exibir o show na sua íntegra, sem cortes. Na Globo eu nunca era visto, ouvia-se apenas a voz. Ricky achou melhor nos fazer aparecer num quadrado no canto da imagem, em particular quando dizíamos algo importante. Criaram um cenário especial (bem hollywoodiano, afinal o Oscar era glamour) e impuseram o smoking como figurino. Havia algum problema com a tradução simultânea (Elizabeth parece que foi convidada e teve que declinar) e com o mestre de cerimonias da Festa, que no primeiro ano foi feita por um senhor que havia morado tempo demais nos Estados Unidos e fazia uma tradução ao pé da letra, por exemplo, por mais que eu insistisse, dizia “ator de Suporte, em vez de Coadjuvante”. E outras bobagens assim.

A cada ano no SBT, a fórmula foi a mesma, mudando apenas o apresentador. No primeiro, o ano de “A Lista de Schindler”, o apresentador foi Boris Casoy, outra figura ilustre mas que de certa maneira me intimidava. É muito difícil você defender argumentos com uma pessoa que demonstra tanta autoridade moral no vídeo e ao vivo. Felizmente tudo correu bem (aquele ano teve até uma introdução gravada antes pelo Jô Soares, cujo horário estávamos assumindo mas no segundo ano ele limitou-se a pouco mais que uma saudação). Aliás, Jô sempre um apaixonado por Cinema, no dia seguinte da transmissão me chamou as pressas para dar entrevista no seu programa e contar um pouco dos bastidores. Não teria sido interessante se ele tivesse topado fazer comigo a transmissão da festa como havíamos chegado a pensar?

O fato é que no ano seguinte, Boris não quis retornar e a missão passou para o Eliakim Araujo, que além de não saber muito de Cinema, tinha certa dificuldade com o inglês (coisa hoje superada já que há alguns anos ele mora com a família nos Estados Unidos). A passagem mais memorável foi quando em determinado momento, Eliakim leu um texto onde está escrito que “o Oscar eram trinta centímetros de puro prazer!”. Quando ele percebeu o duplo sentido do que tinha falado foi muito difícil contermos o riso.

Mas o fato é que o SBT me concedeu um espaço que eu não tinha anteriormente. Como era o mais experiente, ajudava a controlar os tradutores de forma que as vozes não encavalassem no ar (é preciso até hoje que eu fique de frente para eles). E pela primeira vez, pude expor pontos de vista e principalmente, que considero minha tarefa principal, passar informações que ajudem o espectador a desfrutar melhor o espetáculo. Menos preocupado em dar opiniões, dizer se é bom ou mal, se justo ou injusto, mas como a sala está reagindo, como irá repercutir, qual seriam as conseqüências de determinado prêmio. Tivemos a sorte também de ter pela primeira vez em muitos anos, um concorrente brasileiro, “O Quatrilho”, o que permitiu que a Rede fizesse uma grande campanha promovendo o filme, quase com espírito de Copa do Mundo. De forma a nos deixar também motivados para até torcer, não apenas ter bons índices de audiência.

Outro parênteses importante. Não sei quanto custa os direitos de uma transmissão dessas, e se soubesse não poderia revelar. De qualquer forma, é uma quantia generosa em dólares e nenhuma emissora tem lucros com sua exibição, ainda mais num horário tardio, começando as onze da noite de Domingo (véspera de um dia de trabalho). Por vezes, nem consegue vender todas suas cotas de publicidade. Ou seja, é prejuízo certo. Na verdade, a audiência tradicionalmente começa bem e vai declinando porque as pessoas vão ficando cansadas. E as regras draconianas da Academia apenas permitem que se faça uma reprise, um compacto da Festa no prazo de no máximo uma semana. Depois disso, as imagens podem ser usadas como arquivo durante um ano. Após esse prazo, só com licença deles. Ou seja, as redes passam o Oscar por prestígio, por ser a emissora do Oscar, o maior prêmio do Cinema e no caso do SBT, também ajudando a formar a imagem de que tem contratado uma programação de filmes Classe A.

 

Gabi

 

     No terceiro ano, justamente de “O Quatrilho”, a Marilia Gabriela assinou com o SBT e fez sua estréia no canal justamente conduzindo a Festa do Oscar. Fez isso com prazer porque ela genuinamente gosta de Cinema, assiste os filmes (muitas vezes com o filho em Nova York onde tem um apartamento) e sabe do que está falando. Além disso, conhecia Gabi há muitos anos, a vida toda e muitas vezes eu sai do Rio correndo para dar entrevista para ela no TV Mulher. Aliás essa era uma de minhas loucuras. Quando terminava a transmissão por volta das duas e meia, três da manhã, eu gravava um boletim para o Bom Dia Brasil do amigo Carlos Monforte e depois acordava de madrugada para pegar o primeiro avião e retornar para São Paulo e dar a entrevista para a Gabi. Mais morto que vivo, com enormes olheiras com pique, porque é difícil de baixar a adrenalina provocada pelo Oscar. Alguns se jogam de pontes, outros esquiam na Neve, para mim é a emoção do Oscar que provoca a adrenalina.

Por causa da amizade, eu também me sentia à vontade com Gabi para trocar opiniões, mesmo contestá-la se for o caso. De igual para igual, como amigos, com intimidade. Como se estivéssemos conversando na sala de estar de um de nós. Esse ano foi certamente o mais famoso do Oscar. Infelizmente não por causa de “O Quatrilho” que perdeu (a  Família Barreto deu entrevista logo na entrada já desanimando, certos de que iriam perder). Mas por causa da passarela da entrada do Auditório Shrine. Normalmente as  emissoras são relutantes em mandar algum repórter para lá não apenas por causa do custo, nunca desprezível, mas porque os lugares são disputados a ferro e fogo com dezenas de outras emissoras de todo o mundo, principalmente dos EUA. Ou seja, além de ficar num lugar ruim (já que as americanas tem preferência), dificilmente você tem acesso as estrelas mais importantes. E trabalha sob um barulho ensurdecedor, por causa do ruído, das galerias de fãs e o congestionamento geral. Ou seja, se cobrir o Oscar é fria, ficar na passarela é pura Sibéria!

A vítima dessa vez por razões logísticas foi uma jovem repórter chamada Marina, que eu não conhecia e que morava já nos Estados Unidos. Depois de um início promissor e com um texto claudicante, falando por exemplo, nomeados em vez de indicados, ela teve a sorte de falar com Jeff Goldblum e Laura Dern, que foram adoráveis. O que é compreensível porque eles são das pessoas mais acessíveis de toda Hollywood. Entusiasmados, voltamos a cortar para Hollywood onde Marina perguntou para Richard Dreyfuss quem eram aquelas crianças que estavam com ele. “Eu peguei eles na rua”, brincou o ator (obviamente eram filhos dele). Depois correu atrás de Sharon Stone para quem perguntou que tal era interpretar uma prostituta. Essa fez um ar de mofo e desprezo e nem se dignou a responder. No dia seguinte, só se falava mal da moça, que acabou virando uma lenda dentro da imprensa, um dos momentos mais embaraçosos da tevê. Só posso dizer que a tarefa dela era realmente difícil e quiçá impossível. É como perguntar para um jogador de futebol antes do jogo se ele está nervoso ou  para um condenado se está com medo de morrer. É o que chamam de “no win situation” e nem por todo dinheiro do mundo eu trocaria de lugar com ela. Se bem que teve um lado bom, porque no dia seguinte a imprensa não falava mal nem de mim, nem de Gabi, porque gastavam todo o espaço em espinafrar a moça (em relação às críticas, eu as coleciono mas nunca as leio na hora. Mas se for negativa, há sempre uma alma bendita que tem a gentileza de me ligar contando ou passar um e-mail reproduzindo-a. Curioso: por que isso não sucede também quanto são elogios?).

Quanto à transmissão em si foi um prazer, nos demos super bem, de forma que as nossas frases até se completavam. Prosseguindo um a idéia do outro.

 

Globo de novo

 

 

Acabada a fase SBT, a Globo retomou os direitos do Oscar. Nem me passava pela cabeça que me chamassem porque eu estava naquela altura como Diretor de produção e  Programação da HBO. Mas restavam lá os amigos e um fato inegável, eu era mesmo um filho da Globo, foi lá que aprendi o métier, me tornei profissional. O retorno incluiu aparições no Jornal Nacional como comentarista (um fato até então inédito) e uma nova parceria com Renato Machado. Só que a Diretoria Geral impôs também a participação na transmissão de Arnaldo Jabor, que a esta altura era o comentarista oficial da emissora (herdando o lugar de Paulo Francis). Conforme admitiu depois, Jabor aceitou a missão com relutância, mas com sua habitual verve e bom humor. Se pode parecer mau humorado no vídeo, é uma pessoa muito agradável de se trabalhar. Novamente intimidado, não sabia muito bem quando falar e fui deixando Jabor dar suas opiniões, que me pareciam esquisitas. Não concordava mas não queria bater de frente, educadamente defendia pontos de vista opostos. Ele falou mal de Robin Williams, eu o defendi, destruiu sem ter visto o filme holandês Caráter, que ganhou do brasileiro O que é Isso Companheiro?.Depois em 2002, Jabor escreveu um artigo onde dizia que eu e Renato olhávamos para ele com um olhar condescendente de quem deixa alguém falar demais, sem querer contrariá-lo. É um pouco verdade, posso mesmo ver eu fazendo essa cara. Mas o momento que eu me lembro mais da noite foi quando eu tive que  reconhecer os antigos vencedores do Oscar que reapareciam e por algum motivo não houve identificação. Eu fui adivinhando um a um, o que foi uma tarefa árdua, porque tinha uns que foram crianças e sumiram, só para reaparecerem agora já idosos. No canto do olho, percebi o Renato falando em off para Jabor, “Está vendo, ele sabe tudo”, como se fosse uma figura paterna orgulhoso de seu pupilo. E de certa maneira essa volta à Globo, foi um pouco uma volta para casa. Que me deu muito prazer, com ou sem Jabor, até porque no dia seguinte o país inteiro estava falando mal dele, até página na Internet se criou (“Eu odeio o Jabor”).

 

HBO

 

    Por ter sido tão legal (e vamos e venhamos Globo sempre é Globo) lamentei não ter podido retornar no ano seguinte a ela, porque como diretor da HBO fui obrigado a transmitir a festa por ela que havia adquiridos os direitos para canal por assinatura (o que para mim representava também um prejuízo, já que como funcionário não poderia cobrar pela transmissão). Mas como agora podia mandar, resolvemos fazer as coisas da melhor maneira possível, sem um tostão de orçamento. Não pudemos fazer cenários (usamos o que já existia montado na TVA, porque nem estúdios próprios tínhamos, já que a sede da HBO era na Venezuela e agora em Miami). A decisão mais ousada foi reprisar a Festa do Oscar legendada, num prazo que fosse permitido (pelas normas legais, se voce reapresenta um filme ou evento dentro de 24 horas, paga apenas uma exibição! No caso do Oscar tínhamos apenas 12 horas). Então mostramos de novo a Festa legendada na Segunda de manhã, o que significava que toda a turma da legendagem da HBO tinha que trabalhar a noite toda para fazer a tradução e colocar as legendas, sob as ordens da Claudia Dávila. Eu mesmo sai da transmissão e fui para lá dar palpites e sugestões, não que fosse tão necessário. Porque essa versão legendada, mas mantendo meus comentários, foi para mim, a melhor de todas as edições do Oscar de que eu participei.

Já a transmissão ao vivo não foi dessas maravilhas. Eu pedi a ajuda da Alessandra Castanho, que era apresentadora do Canal irmão Cinemax, para me dar uma mão, tanto no pré-show quanto nos intervalos. A verdade é que você precisa de um interlocutor, uma escada para conversar. Ninguém agüenta falar de quatro a cinco horas sozinho, sem parar, sem intervalo. Cansa você e o espectador. Neste caso, o pré-show entrou com o delay e como não tínhamos tradutores simultâneos mal consegui entender o que estava acontecendo. Esse foi o ano de Central do Brasil e justamente quando estivemos mais próximos de ganhar o Oscar. Se não fosse aquela loira aguada da Gwyneth Paltrow (o tempo demonstrou que ela tem muito ainda a aprender para merecer o Oscar que levou) ganhar da nossa Fernanda Montenegro. Mas chegar lá já foi muito e prova disso foi que Fernanda mal apareceu na transmissão (e o Waltinho Salles esse então nem foi mostrado). Americano faz festa para eles ou para amigos íntimos deles, como foi o caso do Roberto Benigni e sua A Vida é Bela. (O tempo novamente provou que ele era antes de tudo um chato, na primeira vez se acha engraçado, mas na décima piada igual, fica insuportável). Mas voltando ao assunto, terminei a transmissão extremamente cansado, até porque como diretor de uma emissora eu tinha certeza que não tínhamos condição de fazer aquilo, o resultado foi um milagre (ajudados por amigos como Teresa Guimarães, que retornou à emissora para ajudar a Maria Angela e o Fernando Cardoso de Sá a levarem a cabo a missão).

Mas aprendi a lição. Liberdade demais é ruim. É coisa demais para controlar e de alguma forma a gente acaba falhando. Prefiro mil vezes fazer com um bom companheiro como mestre de cerimonias, como o Renato ou Gabi, do que sozinho.

 

A Volta do SBT

 

Por fim, uma boa nova, o SBT comprou toda a produção da Warner e também da Disney, com quem eles já mantinham boas relações. É o chamado “output Deal”, ou seja, tudo que eles produzem o SBT pode e deve exibir. Acontece que a  Disney é dona da cadeia de tevê aberta nos EUA chamada ABC, que por sua vez, tem o contrato de exclusividade com a Academia de Artes e Ciências de Hollywood para transmitir o Oscar. E os direitos dessa vez foram por cinco anos. Acho que este é o momento de pedir o testemunho de meu amigo Paulo Gustavo Pereira, que tem sido o produtor das transmissões. Eis seu depoimento:

 

“Comecei a gostar das transmissões do Oscar quando a Rede Globo apresentou a premiação de 1969, mostrando em suas chamadas uma exótica dança de um representante do Planeta dos Macacos, alardeando no palco que venceria o Oscar de Melhor Maquiagem. Não importava se era gravado ou com uma tradução que deixava os jornalistas mais críticos satisfeitos pelos erros cometidos no ar. Pra mim, o simples fato de acompanhar a festa mais importante do Cinema mundial, e me perdoem quem gosta do Festival de Cannes, era fascinante. Também não importava, naquele momento se ia dormir na madrugada de uma terça-feira, já que até 2000, a entrega do Oscar acontecia sempre na última segunda-feira do mês. Cansados dos gigantescos congestionamentos da cidade, a Academia atendeu a um pedido da prefeitura em Hollywood e começou a organizar a festa no último domingo de março.

Fã de Cinema como sou, dificilmente perdia a oportunidade de assistir a premiação, especialmente de ver o Rubens em ação. O homem sempre foi uma metralhadora de informações, especialmente quando no meio da transmissão apareciam aqueles clipes com vários filmes, e ele os identificava todos. É certo que alguns de seus companheiros de transmissão pisavam continuamente na bola, como ainda fazem até hoje. Mas a classe do “Homem do Oscar” nunca deixou a transmissão cair no ridículo. E olha que muita gente fez força para fazer isso...

O fato é que em 1994 estava fazendo um trabalho em Sorocaba quando do outro lado da linha o estouro de uma bomba fez meu mundo balançar, quase com a mesma potência de quando minha esposa me disse que estava grávida de minha filha Marina: o SBT iria transmitir o Oscar depois de quase 20 anos de hegemonia da Globo. E o melhor de tudo, queriam que eu fosse o responsável pela produção do evento! Acho que os anos produzindo matérias sobre Cinema nas redes Manchete e Record, aliado as minhas constantes colaborações em jornais e revistas de Cinema, acabaram sendo minhas credenciais. Também o fato que eu trabalharia 24 horas por dia só pelo prazer de fazer uma cobertura do Oscar que, com certeza, seria totalmente diferente do que havia visto na emissora do plim-plim.

Antes mesmo de voltar a São Paulo, já havia avisado que era necessário contatar o Rubens por que sem ele, o Oscar não teria sentido. Imagine a seleção da Copa do Mundo sem Pelé? É isso mesmo, não dá para imaginar. Para minha alegria e para a tranqüilidade geral da direção do SBT, Rubens Ewald Filho não só quis participar, como se colocou a disposição para divulgar a transmissão em todos os programas que a rede tinha no ar naquele momento. E aí começou a dor de cabeça.

O tempo era curto demais para organizar toda a transmissão, editar as chamadas e colocar o Rubens nos programas disponíveis no SBT. Entre o acordo fechado com a ABC, responsável pelos direitos de transmissão da Festa da Academia para o mundo, e a entrega do prêmio, tínhamos menos de 40 dias para fazer tudo. E não pense, meu caro leitor, que a equipe era gigantesca como o evento merece. Além de mim, o outro louco que veio mergulhar de cabeça no Oscar fora Marcos Ramos, com quem trabalhei em alguns veículos de Cinema e vídeo. Marquinhos ainda era um pouco verde em Televisão, mas depois de virar a primeira madrugada editando as chamadas sobre o Oscar, começou a tirar de letra, qualquer tipo de problema. Nossa sala era apertada, só tínhamos um computador, e uma grande disposição de fazer algo diferente. E fizemos.

Além de o Rubens estar nos municiando de informações sobre a premiação, já que Internet ainda era uma coisa embrionária, passávamos um bom tempo no telefone conversando com o Rubens sobre idéias de chamadas e sobre o “Minuto do Oscar”, um boletim informativo em forma de pergunta e resposta sobre a história do evento. Isso era algo que nunca havia sido feito pela Rede Globo e era necessário para que o público do SBT começasse a ter uma noção, embora pequena, de que a emissora de Silvio Santos iria transmitir o mais importante evento do Cinema, ao vivo para todo o Brasil. E nós nem tínhamos começado a lutar ainda.

Depois vieram as discussões sobre o cenário. Já que a Globo nunca mostrava quem estava apresentando, por que não poderíamos fazê-lo? O cenário foi construído para que duas pessoas fizessem a apresentação. E quem seria o companheiro do Rubens dessa primeira transmissão: o jornalista Boris Casoy. Mesmo com todas as suas obrigações na apresentação do Jornal do SBT, Boris nos ligava constantemente para saber detalhes dos indicados. A maior parte dos filmes indicados naquela época, entre eles A Lista de Schindler, Boris havia assistido. E aqueles os quais não teve tempo, foi onde ele acabou balançando. É como estudar para a prova e deixar de lado um dos capítulos, descobrindo horrorizado que a principal pergunta é sobre o capítulo não lido.

Tínhamos ainda outros problemas operacionais internos para transmitir tudo com muita segurança. São detalhes que foram críticos para o acerto final, como o ponto eletrônico com som direto de Los Angeles para os tradutores; comunicação eficiente com o repórter Arnaldo Duran que estava no tapete vermelho descrevendo a entrada da festa; e o contato direto com a repórter que estava no Gallery, cobrindo um evento sobre o Oscar.

Se tudo funcionou bem? Sim, tivemos até direito a um ensaio geral no dia anterior para ver se tudo estava tranqüilo. O Jô Soares, que havia sido convidado para estar com o Rubens, declinou do convite e preferiu fazer uma abertura especial para a transmissão (que quase ficou comprometida pelo excesso de zelo de um dos produtores do Jô, que insistia em colocar uma imagem da platéia, onde o corredor Airton Senna estava vendo a gravação, mesmo sabendo que a imagem não tinha qualidade técnica de ir ao ar).

Depois de tudo isso, lá fomos nós nos aventurar em terras desconhecidas. Sofremos críticas da transmissão? É claro, especialmente dos coleguinhas da imprensa que não assistiram a transmissão na noite, para ver o VHS gravado durante a madrugada. Mas mesmo assim, conseguimos fazer algo diferente. Era possível notar que o Rubens estava mais solto mais tranqüilo com a nova casa do Oscar. Casa onde ele estaria nos dois anos seguintes, e voltando ao SBT em 2000, quando a emissora recuperou os direitos de transmissão para o Brasil.

Voltava ao SBT, agora na nova sede da Anhaguera, com mais estrutura técnica e a mesma disposição de fazer algo diferente do que havíamos feito antes. Não sei se conseguimos totalmente, mas sempre é divertido tentar novamente...”

 

Parceiros

 

Nos primeiros dois anos, minha parceira foi uma jovem apresentadora que vinha da MTV e que se chamava Babi (parecido demais com Gabi, tanto que na primeira vez, eu me enganei e troquei o nome, fui corrigido no ar e retruquei chamando-a de Ana Bárbara seu nome real). Babi havia ficado famosa com um programa sobre sexo e foi convocada para ser minha parceira no Oscar, já que tinha bom inglês e desenvoltura. Para não dizer que era também uma bela figura (no segundo ano, criou-se enorme controvérsia em cima de um penteado estanho que ela usou, uma situação onde como sempre, eu me abstive). Trabalhar com ela sempre foi tranqüilo, sem surpresas (mesmo quando o SBT começava a inventar novidades, como aberturas pré-gravadas, mais elaboradas, um minuto do Oscar diário, tudo contribuindo para uma maior promoção do evento). Ao contrário da Globo que chamava a festa nas vésperas, o SBT começava meses antes. O que é o certo.

Em 2002, tive a surpresa de ser chamado para anunciar os indicados, numa Terça-feira gorda de carnaval, as onze e pouco da manhã, quando não muita gente estava assistindo. Foi uma experiência para mim inédita e assustadora, porque entramos no ar cinco minutos antes do fato começar. Acabou meu texto no tele-prompter e recebi a ordem pelo ponto: enrola até começar. Não sei até hoje o que eu falei ou sobre o que. Deve ter feito sentido porque fui chamado de novo para fazer o mesmo em 2003. O que é muito difícil. As indicações (apenas as principais) são anunciadas as cinco e pouco da manhã em Los Angeles, na Academia, por um diretor da Academia e um ator convidado. É tão cedo pela diferença de fuso horário. Eles querem pegar o noticiário da manhã cedo na Costa Leste (três horas de diferença) e por isso todos fazem o sacrifício de acordarem cedo. Para nós o fuso horário é de cinco horas, portanto num horário mais decente. O problema é como fazer a transmissão, já que eu preciso, ver, anotar, narrar, tudo ao mesmo tempo. E rápido.

Sem tempo sequer para torcer para que o filme brasileiro seja classificado entre os finalistas (já que isso obviamente mudará o estilo da cobertura do evento nesse ano).

Mas quanto à transmissão estava mais tranqüilo, até por causa da presença de Gabi. Nem por isso deixei de ficar nervoso, com as mãos geladas. Com medo de fazer bobagem, de ficar com calor (sabe como é ar condicionado de estúdio, ou é frio ou esquenta demais!). De deixar cair o ponto do ouvido (onde eu ouço o som internacional que vem dos EUA mas também as interferências do diretor Paulo Gustavo).

Na transmissão de 2002, eu levei para me ajudar, meu assistente Felipe Goulart. Depois ele descreveu suas impressões na coluna Trailer do site do jornal A Tribuna de Santos e que agora eu reproduzo.

 

Nos Bastidores do Oscar

por Felipe Goulart

 

“A Academia fez história neste Domingo! Pela primeira vez em 74 anos, uma atriz afro-americana foi premiada como a melhor do ano. E mais ainda, um ator negro no mesmo ano (lembre-se que só o homenageado Sidney Poitier havia ganho um Oscar como protagonista, em 1963 por Uma Voz nas Sombras). Halle Berry contagiou a todos com sua emoção incontrolável. E Denzel quem diria, ganhou o Oscar interpretando um corrupto policial americano.

Mas não vou ficar comentando o que todos já viram (e falaram também!). Essa reportagem especial para o Divirta-se, foi feita diretamente do Estúdio 2, do SBT (onde é gravado o “Disney Cruj”, por exemplo). É isso mesmo. Estive lá, acompanhando ao vivo a transmissão da 74ª Festa do Oscar. E foi uma experiência e tanto!

Quando foi 19:00, o motorista do SBT veio nos pegar em casa. Já no camarim, estavam postos a mesa, pães, frutas e frios. Encontramos Marília Gabriela já se maquiando e tentando aliviar a tensão de sua reestréia no SBT, afinal, ficar mais de 4 horas ao vivo não é brinquedo não!

Estávamos todos vendo a entrada no Tapete Vermelho, com sinal exclusivo, direto da ABC americana, quando avisam o Rubens para se aprontar que a qualquer minuto, Silvio Santos os chamaria no ar, fazendo um link com a “Casa dos Artistas 2”. Pânico em todos. Será que ele vai pedir pra votar em alguém? Nunca que se sabe o que esperar do Silvio!

Quando o Rubens e a Gabi já estavam no Estúdio, prontinhos, ele manda avisar que não irá mais chamar ao ar. Ufa, alívio geral! Que nada, em menos de cinco minutos ele mudou de idéia e Priiiiiiiim, toca a campainha, o diretor do programa grita: – “Todos em Silêncio, o Silvio vai chamar a qualquer momento!”. E desta vez chamou mesmo! Mas foi tranqüilo, rapidinho.

Todos nós acompanhávamos pelos monitores espalhados no estúdio, as imagens da ABC. Eram umas 15 tvs, de todos os tipos: Tela Plana, Tradicional, Widescreen, 14 Polegadas, 29’, etc. Quando a transmissão da entrada foi se encerrando, os créditos finais subindo, sabíamos que a qualquer instante começaria a cerimônia.

Engraçado que eu que não tinha nada a ver com aquilo, fiquei super nervoso. É verdade, a adrenalina contagia a todos. Estavam ali atrás das câmeras, mais de 20 profissionais, cada um com sua função. E eu também tinha a minha, ainda que sossegada, mas tinha. Além do que, fica a pressão de não poder espirrar, tossir nem nada que faça ruídos.

Como eu preparei o roteiro para o Rubens, com as curiosidades, idade, nacionalidade de cada indicado, prêmios anteriores, estava com uma cópia em mãos, acompanhando se ele esquecesse de falar algo. Mas não foi preciso. Os X anos de memória e profissão foram suficientes (o X é porque ele não me permitiu divulgar a idade!).

É engraçado como as coisas são nos bastidores. Tudo está pronto, previamente testado e ensaiado. Quando chega nos 30 segundos antes do início da transmissão, tudo falha!!! O monitor não funciona, o outro está passando a imagem errada, o Tele-prompter (onde os apresentadores lêem o texto na câmera) está com o texto errado e fora da ordem correta, o ponto (aquele aparelhinho que vai dentro do ouvido, para receber informações do diretor e o som original da transmissão) está conectado na “Casa dos Artistas”! É um pânico, dá um desespero, ainda mais porque tudo isso acontece depois que soa a campainha dos trinta segundos para entrar no ar!!! Mas todos tiraram de letra.

O Rubens eu nem me atrevo a falar, porque aí vão dizer que eu sou puxa-saco e tal, então nem perco o meu tempo! Agora a Gabi eu posso falar porque nunca a tinha visto antes. Ela é sem dúvida, a apresentadora, entrevistadora, enfim, a mulher mais preparada da TV brasileira na atualidade. Super antenada, por dentro dos acontecimentos e dos filmes em cartaz. Passou por todos os problemas de bastidores sem perder a calma, com extrema competência (ainda que uma mosca insuportável rondasse a mesa por mais de 4 blocos!). Mesmo estando gripada, agüentou firme até o fim. Isso porque o ar-condicionado estava fortíssimo (eu de manga comprida passei frio), imagine ela com aquele vestido decotado! Ahh, e ela também é muito bonita pessoalmente, mais ainda do que na TV.

Enfim, essa foi a minha inesquecível experiência de assistente do comentarista do Oscar. E é assim que a gente vai começando... observando e vivenciando esses momentos ímpares. Quem sabe daqui há uns vinte anos eu não esteja agradecendo o Brasil pela minha primeira estatueta?!?!?!”

 

 2003

 

A aventura porém não para. No Oscar 2003, referente ao ano anterior, o Brasil perdeu a chance de ter um indicado a filme estrangeiro, quando rejeitaram Cidade de Deus, uma fita pela  qual eu lutava desde quando a assisti em Cannes, em maio do ano anterior. A desculpa parecia ser que ela seria violenta demais para os velhos votantes da Academia (e aqueles que me reclamavam que os filmes estrangeiros eram lentos demais?). Enfim, tivemos como consolo, o fato de um dos indicados a Melhor Filme de Animação, A Era do Gelo, tinha um co-diretor brasileiro, Marcos Saldanha e que Caetano Veloso cantava a música tema do filme Frida, de Julie Taymor, que se chamava “Burn it Blue”. Isso quer dizer que teoricamente ele teria obrigação de se apresentar cantando ela (em inglês como no disco) na festa do Oscar.

Por outro lado, tive que pagar um mico. Estava tudo preparado para fazer a apresentação ao vivo pelo SBT, dos indicados, via satélite, onze e meia da manhã. Estava vestido e maquiado no estúdio, com tudo pronto, quando a imagem simplesmente não apareceu. Acabamos entrando com uma hora de atraso com o boletim pré-gravado e assim mesmo apenas para São Paulo (mais tarde, foi gerado para o resto da Rede mas nunca soube se entrou). Ou seja, por mais que a gente queira, continua na mão da tecnologia. Que falha. Lembro as vezes que na Globo eu ficava de stand-by, em outro estúdio, caso o sinal do satélite caísse ou falhasse e fosse preciso dar uma satisfação ao telespectador, no estilo “Falha nossa”. Nunca sucedeu mas é bom se precaver. E dar graças a Deus não ter entrado antes, esperando o satélite e uma imagem que nunca viria. Aí sim seria desastroso. Por isso, quando me perguntam se ainda fico nervoso, numa transmissão ao vivo, até rio. Claro que fico, com as mãos geladas e suando. Lógico porque ao vivo tudo pode acontecer e acontece. Ainda mais quando o assunto é Oscar.

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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