Depoimento de Rubens Ewald Filho - Parte 3

REF relembra como iniciou o seu amor pelo cinema (em tres partes)

14/08/2019 13:41 Por Rubens Ewald Filho
Depoimento de Rubens Ewald Filho - Parte 3

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O bacana da minha geração é que eu tive a sorte de ver o melhor momento do cinema italiano e o nascimento da nouvelle vague. Vimos críticos virarem cineastas, o que nos serviu de modelo. Por isso (François) Truffaut surgiu. Godard deu certo, reinventou a linguagem do cinema e libertou o cineasta. Nós vimos o surgimento disso tudo, uma nova maneira de fazer cinema. Vimos também o fim de Hollywood e o nascimento do cinema novo americano. Eu vi o primeiro filme do (Steven) Spielberg, Encurralado (Duel, 1971), e deu para dizer é um grande filme, acabou de nascer um grande cineasta. Eu vi o primeiro filme de sacanagem do (Francis Ford) Coppola, um filme de concessão, de mulher nua, uma pornochanchada podemos dizer.

Dessa fase do cinema há dois cineastas que são meus favoritos: John Frankenheimer, que fez O Segundo Rosto (Seconds, 1966), com Rock Hudson, faz filmes tecnicamente brilhantes como Grand Prix (Grand Prix, 1966) e também Sob o Domínio do Mal (The Manchurian Candidate,1962), com Frank Sinatra, que é um thriller sensacional, prevendo a violência que vai estourar com a morte do presidente Kennedy. Acredito que os cineastas tinham a sensibilidade de captar o espírito do país e retratar num filme. O outro que eu gosto muito, que é da mesma geração, é o Sidney Lumet, que ainda está trabalhando, seu filme mais recente é Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (Before the Devil Knows You\\\\\\\'re Dead, 2007). Ele estreou com Doze Homens e Uma Sentença (Twelve Angry Men, 1957), uma maravilha. Mas depois errou muito e acertou muito. Um Dia de Cão (A Dog Day Afternoon, 1975) é um ótimo filme. Rede de Intrigas (Network, 1976) é um retrato do que é a televisão hoje. Naquela época, anos 1970, ele já falava sobre reality show.

Robert Mulligan é um diretor que fez um dos meus filmes favoritos – Verão de 42 (Summer of \\\\\\\'42) – que eu acho um filme de uma sensibilidade incrível. Quando eu pensei em fazer cinema, eu nunca pensei em ser um revolucionário da linguagem. O meu modelo era um cineasta chamado William Wyler, que fez Ben Hur (Ben Hur, 1959), um filme já mais fraco dele. Era o diretor favorito da Betty Davis. É dele o Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights, 1939). Ele era o diretor perfeito, contava uma história como ninguém. Outro cineasta nessa linha é William Dieterle, que fez O Retrato de Jennie (The Portrait of Jennie, 1948).

Outro cineasta fora dos padrões que eu adoro é o Stanley Donen. Foi o companheiro de Gene Kelly no Cantando na Chuva (Singin\\\\\\\' in the Rain), portanto já era bom. Sozinho fez alguns filmes fantásticos, como Charada (Charade, 1963), que é o melhor Hitchcock não feito pelo próprio. História bem narrada, muito charme com Audrey Hepburn e Cary Grant. Outro filme com a Audrey é Um Caminho para Dois (Two for the Road, 1967), que não tem em DVD aqui, mas saiu nos Estados Unidos. É um filme ousado.

Bob Fosse é um cara que eu admiro muito. Um coreógrafo absolutamente original, venerado hoje em dia. Falei em nouvelle vague, mas não falei em Alain Resnais, que eu gosto mais do que de Truffaut. Mesmo agora cego ele ainda faz cinema. Seu filme mais recente é Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs, 2006). Mas o que ele fez com O Ano Passado em Marienbad (L\\\\\\\'Année Dernière à Marienbad, 1961) é maravilhoso. Providence (Providence, 1977)é outro exemplo. Ele é um revolucionário da narrativa.

Eu gosto de musical. Se vocês lerem as críticas que faziam aos musicais da Metro... Eles acabavam com os filmes, chamavam a Judy Garland de baleia, achavam as histórias completamente idiotas. O Rubem Biáfora foi um dos pouquíssimos que se insurgiu contra isso e mostrava as qualidades dos filmes. Hoje a gente já sabe que eram obras-primas. Em A Rosa Púrpura do Cairo, o Woody Allen colocou isso – a vida da personagem está muito difícil, então ela vai ver um musical do Fred Astaire. O musical é isso, ele ajuda a suportar os embates da vida. A gente deve ao Woody Allen ter passado para a nova geração a aceitação da fantasia.

Blade Runner, O Caçador de Andróides (Blade Runner, Ridley Scott, 1982) é um filme importante porque criou o conceito do cult. O filme que não é consagrado no momento, mas encontra público mais tarde. Esse era um conceito que não existia antes. Havia casos antigos assim, como O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939), fracasso na estreia e que vai criando público com o passar do tempo. Além disso, Blade Runner é um filme brilhante. Mas como eu sou do contra eu gosto da primeira versão que passou nos cinemas. Eu não gosto da versão do diretor Ridley Scott.

Chegamos ao cinema nacional. Uma vez me perguntaram se eu gosto do cinema brasileiro. E eu fiquei muito chocado, porque não acho que exista essa possibilidade de não gostar. Para a minha cabeça, para a minha geração não era possível. Porque nascemos vendo filmes brasileiros. Eu nasci vendo chanchada e adorava Eliana Macedo. Foi a primeira grande estrela do cinema brasileiro, era a namoradinha do Brasil. A chanchada tinha a comédia, o humor e até a crítica social. E tinha música, que é absolutamente fundamental na nossa vida. A chanchada era a herança do teatro de revista.

Eu consegui acompanhar praticamente todo o cinema brasileiro. Da Vera Cruz eu vi Sinhá Moça (Tom Payne, 1953), O Cangaceiro (Lima Barreto, 1953) e gosto muito. Por que tinha que acabar? Por que no Brasil tudo acaba e a próxima geração nega? Por que não se aproveitam as lições? Depois, o Cinema Novo. Adorei Terra em Transe (1967), filme absolutamente seminal, criativo e atual. Pena que Glauber Rocha foi enlouquecendo. Talvez a perseguição política tenha levado ele a se extremar cada vez mais. Eu gostava muito também dos primeiros filmes de Cacá Diegues, como A Grande Cidade (1966). Gosto muito de Menino de Engenho (1965), do Walter Lima Junior. É também questão de geração, porque esses filmes não passavam em Santos. Não dava público. Os exibidores também programavam de maneira errada justamente para provar que não havia público.

Sempre adorei nossas atrizes. Conheci Leila Diniz muito cedo. Glauce Rocha era outra grande atriz. Anecy Rocha, irmã de Glauber, outra figura sensacional. Todas morreram muito cedo. Não consigo conceber que alguém não goste do cinema brasileiro. Só que eu sempre tive a tendência de falar a verdade. Várias pessoas disseram que eu era vendido ao cinema americano e todas elas depois me pediram desculpas. É tão difícil fazer cinema e não tem como não considerar heroísmo os cineastas brasileiros, dadas as dificuldades enfrentadas para a realização. Eu quero ver novas gerações. Há cineastas trazendo linguagem nova e vitalidade, como Fernando Meirelles e Walter Salles. Gostei muito do O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de Cao Hamburger. Para dizer a verdade, eu gosto até de Mazzaropi. Os primeiros filmes dele eram ótimos. Pena que não temos mais essas sátiras políticas.

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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