Corman, Poe e o Que Aconteceu Antes do Poco

Corman, atribuindo-se os limites de producao dos filmes B, eh suficientemente criativo em sua linguagem cinematografica

06/02/2020 14:05 Por Eron Duarte Fagundes
Corman, Poe e o Que Aconteceu Antes do Poco

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O conto de Edgar Allan Poe, de 1843, passa-se todo dentro do poço: é claustrofóbico, metafísico e assustador como um filme de Ingmar Bergman. O poço e o pêndulo (The pit and the pendulum; 1961), a segunda incursão do cinema do americano Roger Corman pelo universo de Poe (o primeiro foi A queda da casa de Usher, 1960, que já fora filmado pelo polonês-francês Jean Epstein em 1928), cria uma história do que teria ocorrido à personagem para vir a ter àquele poço que é tudo o que se vê no conto de Poe: à maneira americana, sub-hollywoodiana, promove um liame de relações humanas delirantes e moralistas que tentam justificar a punibilidade no subterrâneo: Nicholas, o homem preso no poço (no conto de Poe ele não tem nome, é um eu-narrador), vai descobrir todos os adultérios, o de sua esposa, o do médico, o de seu irmão, o de seu amigo, o seu próprio e, em criança, o assassinato de sua mãe por seu pai, para finalmente insano mergulhar nas lições do poço. Corman, uma presença maravilhosa entre nós no XV Fantaspoa, em 2019, revelou que para ele a história era curta demais e precisou contar o que vinha antes do poço para poder fazer um filme (e olha que naqueles anos os filmes duravam em média hora e meia, no caso deste, escassos oitenta minutos); se Corman fosse europeu, talvez conseguisse filmar somente o poço onde acontecem exclusivamente os delírios interiores de um ente narrativo, mas teria de criar uma carga grande de imagens que poderiam aborrecer o público habitual americano e de seus quintais, levando-o a perder espectadores e dinheiro.

“Eu estava extenuado, extenuado até a morte, por aquela longa agonia”, assim começa a narrativa de Poe. O filme vai começar pela chegada duma jovem personagem, o cunhado do protagonista, à mansão de Nicholas, para saber o que acontecera com a mulher, irmã do visitante e esposa do dono da casa; então a caixa vai-se abrindo até dar naquele poço e naquele pêndulo  extraídos de Poe.

Corman, atribuindo-se os limites de produção dos filmes B, é suficientemente criativo em sua linguagem cinematográfica, pelo uso das cores e dos movimentos da câmara, para dignificar a entrada num universo literário tão refinado quanto o de Poe. Esnobado em sua época pelos analistas sérios e mais considerado como revelador de talentos (atores e diretores), Corman vê crescer hoje seu prestígio numa perspectiva histórico-cinematográfica. Mais um homem de grande visão das coisas do cinema do que um visionário (visionário seria Federico Fellini, por exemplo), Corman mereceria que se reinventasse uma crítica para todos os seus filmes, que são por via de regra invenções saborosas.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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