Obra-Prima Que Gera Obra-Prima

Gavino Ledda fala de si mesmo, dos fatos de sua vida, mas sabe converter tudo isto num belo romance

25/03/2020 14:08 Por Eron Duarte Fagundes
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Pai patrão é o título que todo cinemaníaco que se preze conhece: é uma obra-prima rodada em 1977 pelos irmãos Paolo e Vittorio Taviani e um dos títulos característicos do cinema social da década de 70 do século passado. Quase ninguém conhece por aqui o substrato literário que forneceu aos Taviani a matéria do roteiro de seu filme: Pai patrão (1975), o romance autobiográfico de Gavino Ledda que foi editado entre nós pela Berlendis & Vertecchia Editores. Ledda aparece como narrador nas imagens finais do filme dos Taviani.

Quando começamos a ler as páginas de Ledda, o pensamento se detém em vasculhar em que consistiria o interesse cinematográfico dos Taviani em tal texto. Como os Taviani são herdeiros do neorrealismo de Roberto Rossellini, é certamente neste retrato de um indivíduo telúrico e bruto que depois se lapidaria, é ali que repousa o ímã que atrai os Taviani: os conflitos sociais expostos no livro, a maneira de relação do homem de interior com o campo, eis o que vinha aproximar-se dum certo cinema italiano que então se fazia. Comparando, que é que puxou para o cinema do brasileiro Nélson Pereira dos Santos no texto de Vidas secas, o romance de Graciliano Ramos escrito na década de 30? A vertente neorrealista do Cinema Novo estava à procura do compromisso político do artista e topou na literatura brasileira dos anos 30 a seiva ideal. É verdade que a narrativa de Ledda é profundamente arraigada nos elementos da terra. Mas está longe de se resumir a isto: é um evento de linguagem e um entrelaçamento de histórias interioranas que provoca a inquietação do leitor.

Ledda fala de si mesmo, dos fatos de sua vida, mas sabe converter tudo isto num belo romance, sabe transformar-se em personagem. Ao que se saiba, nunca mais cometeu um romance, embora Recanto (1998), incluído no volume ora analisado, seja um conto extraordinário. Para se ter uma ideia de onde se situa esteticamente a prosa de Ledda, pode-se dizer que está entre o telurismo de Vidas secas (1938), de Graciliano, e as inquietações linguísticas de Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa, abdica tanto do despojamento de Graciliano quanto do barroquismo de Rosa.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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