O Alucinogeno e a Demencia: O Sexo No Abismo
Possessao eh um tratado em imagens em torno de certas insatisfacoes que havia na sociedade
Andrzej Zulawski é um cineasta polonês de feições internacionais: seu cinema parece sempre em vertigem e à deriva, um aeroplano em voo que nunca pousa. Possessão (Possession; 1981) é seu único filme rodado em inglês, embora sua produção seja franco-germânica e sua ambientação seja alemã, as locações situam-se na Berlim Ocidental; a presença da atriz Isabelle Adjani acusa o francesismo de Zulawski, onde ele filmou dois de seus trabalhos mais aludidos, O importante é amar (1975) e A mulher pública (1984). Possessão depura, sem organizar os naufrágios formais do barroquismo de perdição de Zulawski, as intenções de abismo dum cinema ao mesmo tempo confuso e complexo, retrato íntimo dum artista materializado em imagens únicas, de perturbação única.
Consta que o roteiro foi escrito pelo cineasta durante as dores de seu divórcio, na época, da atriz Malgorzata Braunek; e Possessão, transformado em cinema, age por símbolos catárticos como autorretrato de Zulawski, todavia erigindo-se como uma ficção bastante particular e cinematograficamente permanente. A francesa Adjani, a intérprete de A história de Adèle H. (1975), de François Truffaut, e Nosferatu, o vampiro da noite (1979), de Werner Herzog, entrega um desempenho tresloucado ao viver uma mulher burguesa, casada e com um filho, que um belo dia se afasta da família e depois, vem a descobrir-se, ela se isola num sombrio apartamento para fazer sexo com um ser gosmento, asqueroso, não de formas humanas (a cena, lá pelo fim, com o bicho em cima de Isabelle, copulando, é um dos grandes estágios do repulsivo trazidos pelo cinema). A francesinha de Truffaut delira em cena, como já delirara ao fazer a filha apaixonada do escritor Victor Hugo; no entanto, em Truffaut eram os parafusos do século XIX, romântico e literário, que se juntavam na imagem, em Zulawski o que se exige de Isabelle são os abismos morais e eróticos dum indivíduo que nos anos 80 do século XX queria avançar mais na direção provocativa.
Possessão é um tratado em imagens em torno de certas insatisfações que havia na sociedade, especialmente a europeia, numa quadra que se seguia à saturação de cruezas dos anos 60 e 70. Não poderia ser outro o sujeito para pôr em imagens este mal-estar senão o torpe e cru diretor de cinema Andrzej Zulawski. Em seu momento mais forte e assustador. Um precipício que incendeia a retina do espectador.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.co.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br