A Fraternidade Brasileira: Sexo e Religiao

Secreto e direto ao mesmo tempo, Divino amor e? mais uma bela amostra de um cinema brasileiro

02/08/2019 12:40 Por Eron Duarte Fagundes
A Fraternidade Brasileira: Sexo e Religiao

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Talvez a cena mais bela e significativa de Divino amor (2019), o novo filme do cineasta brasileiro Gabriel Mascaro, seja um plano-sequência (que é também um longo plano fixo) em que dois casais transam intensamente no interior dum templo evangélico (após ou concomitantemente ao culto, ou a prática sexual como parte do ato religioso, ritualístico e implacável) e em certo momento praticam a troca de casal. Dira Paes, que vive Joana, uma beata que vive de fazer com que casais desistam de se divorciar, pelo bem dos valores familiares, se entrega, na cena do sexo, à voracidade física, refazendo algo do despudor e erotismo que, há alguns anos, pusera em suas imagens de Baixio das bestas (2007), de Cláudio Assis. Digamos que, especialmente graças ao desempenho de Dira, se trata ali duma foda densamente plástica e que no entanto provoca o voyeurisme vulgar do espectador. O que faz Divino amor mergulhar num hedonismo sensorial que, em muitos instantes, a realização não entrega: a narrativa começa quase como uma contemplação de cenas para religiosos e evangélicos, isenta-se do ponto de vista crítico sobre o que mostra, incomoda aquele observador que tenha poucas afinidades com este universo de hipnose mística específica, porém, aos poucos, as coisas adquirem um sentido simbólico de tudo o que vivemos hoje no país, embora nunca se afaste completamente de seu senso documental (que Mascaro exercitou mais fortemente em Domésticas, 2013). Ora um documentário gelado e asséptico sobre as práticas nas religiões evangélicas no Brasil, ora uma metáfora política e social do Brasil atual e futuro (uma voz à maneira de robô-criança, como uma sombra de horror, anuncia que tudo se passa em 2027 e vai descrevendo o que parece já estar nas imagens que vemos); e aí, aquela cena dura, crua, exasperada de sexo se põe como uma rebeldia de formas e ideias que radicaliza aquilo que víramos num filme anterior do cineasta, Ventos de agosto (2014). Os ventos, agora, são dos templos: eles estão por todo o Brasil.

Para o indivíduo de cinema que também visita a literatura, não se pode deixar de pensar em Submissão (2015), o romance do francês Michel Houellebecq. Nesta narrativa francesa o candidato da Fraternidade Muçulmana ganha as eleições numa França do futuro: é esta situação a mola inicial da reflexão de Houellebecq, que, tergiversando sobre o domínio muçulmano na Europa, faz depois o mergulho numa cultura humanista que se evadiu, ao compor ensaios sobre o célebre (e hoje pouco lido, por aqui) Joris-Karl Huysmans. Mascaro, em seu filme, depõe sobre a estranha fraternidade brasileira nas mãos e no jeito dos evangélicos; nenhuma referência a candidatos políticos, nem, como em Houellebecq, uma nostálgica abertura para a inteligência. Secreto e direto ao mesmo tempo, Divino amor é mais uma bela amostra de um cinema brasileiro atento às novas circunstâncias do país; aquilo em que podemos respirar mal ao longo do filme, é nossa forma de respiração no próprio universo social em que vivemos.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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