O Hibridismo Inicial de Machado de Assis

Casa Velha vale como anotacoes de um minucioso cronista de sua epoca e lugar, como foi Machado de Assis

22/09/2022 13:55 Por Eron Duarte Fagundes
O Hibridismo Inicial de Machado de Assis

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Machado de Assis nunca se entregou à pura expressão romântica de literatura, porque lhe faltava o temperamento arrebatado; aqui e ali o escritor desviava para certas concessões às situações-clichê da época, mas a estrutura do verbo tinha sempre uma austeridade que não combinava com o temperamento dos românticos puros. O problema central da fase inicial de sua obra eram as ilações conciliatórias de seus enredos e mais que tudo a tibieza formal, a mornidão do texto.

Isto existe numa novela tão fraca quanto Casa velha (1885-1886, 1944), certamente até menos interessante que quase todos os trabalhos que o escritor publicou na primeira fase de sua aventura literária. Casa velha tem uma trajetória curiosa. Muitas vezes não chega a ser arrolada na bibliografia do escritor. Foi publicada em folhetim em 1885 e 1886. Só chegou a livro quando a pesquisadora Lúcia Miguel Pereira a descobriu nos anos 40, tendo sido editada em 1944. É incrível que uma narrativa tão sem invenção e cheia de soluções-clichê tenha sido publicada em 1885, quando Machado de Assis já lançara seu libelo anti-humanidade com Memórias póstumas de Brás Cubas (1881). Casa velha, ao contrário, é pura bonomia e lugar-comum. Só há uma explicação: Machado teria escrito a novela alguns anos antes e a publicou por desfastio ou para preencher jornal.

Casa velha é, como habitual em Machado, escrito com habilidade, mas o vazio dramático é assombroso. Como foi comum na segunda fase de Machado, há um narrador em primeiro pessoa. O narrador é um padre que, ao ir em busca de pesquisas para um livro sobre o primeiro império, dá com uma família à antiga e questões romanescas arcaicas, coisas de casa velha. Tem um certo charme de coisa antiga, mas este charme é fugidio. Lá pelas tantas, o padre-narrador se confessa apaixonado pela heroína, algo não bem desenvolvido e exposto num capítulo solto, incrustado. Mas Machado estava longe de ser cruel e perdeu a oportunidade de um libelo anticlerical, como O crime do padre Amaro (1876), do português Eça de Queirós. O final é constrangedoramente tolo: “Se ele e Lalau foram felizes, não sei; mas foram honestos, e basta.”

Casa velha vale como anotações de um minucioso cronista de sua época e lugar, como foi Machado de Assis. Assim, há uma referência às prostitutas francesas da rua do Ouvidor do Rio antigo: “Ignoro se Félix também desconfiava a mesma coisa; é, todavia, certo que jogou distraído e calado —durante alguns minutos—, o que fez que o coronel nos dissesse de repente que estávamos no mundo da lua, que não viera da roça para ficar casmurro, e que, ou jogássemos ou ele ia às francesas da rua do Ouvidor.”

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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