A Maturidade Clssica de Assis Brasil
Figura na sombra (2012) delicia o leitor com estes exerccios rigorosos da escrita: exerccios que materializam uma esttica plena, nunca cristalizada nos controles iniciais
O gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil chegou no século XXI à sua maturidade clássica em que tudo parece necessitar de ser controlado: das frases despojadas aos gestos das personagens, para deixar a sutil emoção explodir nas entrelinhas destes controles. Figura na sombra (2012) delicia o leitor com estes exercícios rigorosos da escrita: exercícios que materializam uma estética plena, nunca cristalizada nos controles iniciais.
As orações do romance de Assis Brasil são o mais das vezes curtas: nada dos circunlóquios conectivados à maneira de Marcel Proust ou do padre Antônio Vieira. Em alguns casos, como no capítulo XII, o narrador se contenta com parágrafos pequenos, alguns feitos de uma só frase. Narrativa direta, documental: “Era assim: o mais velho falava, e o mais novo, o moreno, concordava.” No capítulo XXI, uma carta do homem na sombra, o francês Aimé Bonpland, tenta explicar o que é a selva, um fenômeno sul-americano. Os parágrafos são mais longos, mas as orações permanecem curtas. Herdeiro do português Eça de Queirós, o texto de Assis Brasil tornou-se agora mais enxuto que seu mestre, usa o adjetivo com algum temor e parcimônia. Basta pensar nas extensões de um clássico de Assis Brasil, Videiras de cristal (1990). Em Figura na sombra, para dar a um estrangeiro (mais que isto, um russo) a ideia da selva, Aimé se recolhe: “É mais fácil imaginar a selva do que descrevê-la.” Imagem: o cinema, a fotografia, a pintura? Depois de umas sete frases, os adjetivos acodem, a medo: “Há exalações mornas. É o hálito da selva. Lá o ar é quente, espesso e viscoso. A umidade nos faz sangrar água por todos os poros. As plantas no chão, à altura das pernas, da cintura, do peito, da cabeça e sobre ela, as plantas são o abraço de um ventre impiedoso.”
São duas personagens que movem os eixos narrativos de Figura na sombra. Duas criaturas históricas. Dois naturalistas que de fato existiram. Alexander von Humbolt, o que fez fama e mundanismo, e Aimé Bonpland, o que se retirou para os interiores sul-americanos. Das aproximações e contrastes entre os dois seres Assis Brasil extrai um desempenho narrativo que, pouco a pouco, vai apaixonando o leitor. A despeito dos excessos de rigor formal de que uma prosa como a do escritor gaúcho se vale.
Longe da lubricidade do verbo de João Gilberto Noll e dos desleixos linguísticos buscados por Daniel Galera ou Paulo Scott, a literatura de Assis Brasil está cheia de pudores estilísticos que parecem às vezes de um outro tempo. São extremamente bem-vindos estes pudores morais e estéticos que no entanto avançam sempre.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br