A Fantasia Cinematogrfica de Michel Houellebecq

Com sede no Armazm da Utopia, o Armazm 6, no Cais do Porto, o Festival de Cinema do Rio 2014 trouxe mais de trezentos filmes para a disposio dos cinemanacos cariocas e de outras plagas que aportassem ali

07/10/2014 14:08 Por Eron Duarte Fagundes
A Fantasia Cinematográfica de Michel Houellebecq

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RIO, 28.09.14, domingo.

(Há um versete esquisito que um dos sequestradores exclama ao longo do filme. “De quel tigre a rêvé ma mère, enceinte de moi?” “Com qual tigre sonhou minha mãe, grávida de mim”).

O caso do romancista francês Michel Houellebecq é uma destas raridades em que o escritor, sem fazer concessões, acaba atingindo um público variado e amplo. Demais, Houellebecq é m leitor refinado, especialmente da literatura francesa, mas não somente. No entanto, ele tem relações com o cinema; pelo menos dois de seus livros foram convertidos em imagens cinematográficas, e seu texto, como aquele do português António Lobo Antunes, e todavia diferentemente, é o de alguém marcado pelo século da imagem: há quase um riso brutal em suas frases muitas vezes ásperas e diretas ainda em suas alegorias.

As relações da arte de Houellebecq com o cinema chegam agora a seu ápice. Aludo ao filme O sequestro de Michel Houellebecq (L’enlèvement de Michel Houellebecq; 2014), dirigido na França por Guillaume Nicloux. Anteriormente o cineasta fizera uma versão modernosa e conformista dA religiosa de Diderot (2013); os aspectos fáceis e superficialmente bonitos desta realização de Nicloux contrastavam com as exigências e os refinamentos do clássico cinematográfico de Jacques Rivette dos anos 60. No encontro do cinema de Nicloux com a figura estranha e provocativa de Houellebecq tudo melhora, do ponto de vista do filme.

Em cena, Houellebcq está bastante envelhecido, para seus cinquenta e cinco anos. Mas, como ocorre com outro veterano do mundo francês, o ator Gérard Depardieu, em Bem-vindo a Nova Iorque (2013), do americano Abel Ferrara, o escritor francês não se perturba com expor-se integralmente na imagem: toda sua feiura e todas as suas contraídas gargalhadas deselegantes se desfiguram diante das câmaras. Alguém  se mete a recitar seus próprios versos ruins, e o ficcionista e poeta não se contém: ri a bandeiras despregadas seu feio riso, debocha sem parar. A cena é tão grotesca quanto extasiante nas mãos de Nicloux. Há inclusive uma meretriz na cama com Houellebecq: é claro que nesta região a exposição do ator-escritor não é tão radical quanto aquela de Depardieu no filme de Ferrara; mas é suficientemente divertido e, como cita o próprio Houellebecq, referindo Kant no leito de morte, “é suficiente”. Lá por uma sequência, como trecho duma conversa que não aparece toda na narrativa, o romancista aduz que leu A religiosa três vezes; pensamos no filme anterior de Nicloux e imaginamos como se um escritor e um diretor de cinema tivessem tido uma conversação sobre um livro que ambos adoram.

O mote de O sequestro de Michel Houellebecq é uma possível fantasia crítica e marqueteira do escritor. Às vésperas de lançar um novo livro, A carta e o território, Houellebecq desaparece de circulação, os rumores internáuticos dão conta de um sequestro (Al Quaeda ou alienígenas), o turbilhão midiático se agita, um escritor não facilmente comercializável está aguçando a  curiosidade do público. O filme de Nicloux acompanha este sequestro e as relações do escritor com seus algozes. A voz de Houellebecq, no filme, é quase inaudível, ao contrário de sua literatura, que tem voz poderosa; esta voz física de um grande escritor em sua decrepitude no tempo choca bastante o espectador que for também leitor. Se a memória não me engana, no livro Um escritor no fim do mundo (2011), de Juremir Machado da Silva, quando se trata de um escritor diante de outro escritor, também era anotado que Michel falava cada vez mais baixo. Com voz baixa, aqui e ali espargindo sub-urros em suas falas, Houellebecq é a aparição que é suficiente para impor a um filme sem grandes invenções sua própria razão de ser.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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