OSCAR 2014: O Cavaleiro Solitrio (The Lone Ranger)
muito esquisito que este filme seja indicado ao Oscar de efeitos visuais e maquiagem, depois de ter sido to difamado e provocado tantos desastres.
O Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger)
EUA, 13. Direção de Gore Verbinski. 149 min. Com Johnny Depp, Arnie Hammer, William Fitchner, Tom Wilkinson, Ruth Wilson, Helena Bonham Carter, James Badge Gale, Bryant Prince, Barry Pepper, James Frain.
É muito esquisito que este filme seja indicado ao Oscar® de efeitos visuais e maquiagem, depois de ter sido tão difamado e provocado tantos desastres. Dentre eles o maior foi seu famoso produtor que depois de muitos anos ligado a Disney e tendo feito tantos sucessos, foi despedido (embora de forma delicada). Talvez por ganhar demais (mais do que CEO, fato comum que costuma provocar cabeças cortadas), ter prometido mentiras para o estúdio e francamente por ter um filme abaixo das expectativas. Teve orçamento infladíssimo de 215 milhões de dólares e rendeu nos EUA apenas 89 milhões e 171 milhões no exterior o que é uma decepção maior ainda.
É uma pena que já tenha chegado ao Brasil com a fama de ser um dos maiores fracassos do ano. Não chega a ser um desastre tão grande quanto o recente John Carter Entre Dois Mundos, do ano passado, também da Disney, mas é grave porque: 1) até agora o público foi sempre fiel a Johnny Depp (que completou os 50 anos) em seus papéis bizarros. Mesmo aqui continuam a rir sempre de suas piadas e frases engraçadas. Mas não são suficientes para segurar um filme longo e over-produced(exagerado demais); 2) esta é a co-produção entre duas forças grandes da Disney e Hollywood, o especialista em filmes de ação Jerry Bruckheimer e o mesmo diretor Gore Verbinski, que com Depp dirigiu a trilogia bem sucedida dos Piratas do Caribe e teoricamente tentou aplicar a mesma fórmula a este projeto.
Talvez um problema seja o fato de que ninguém de menos de 50 anos tem a menor ideia de quem era ou foi ou é The Lone Ranger! Mesmo porque no Brasil ele era conhecido como o Zorro e era confundido com o outro Zorro, aquele latino de A Marca do Zorro, feito não faz tanto tempo assim por Antonio Banderas! Até porque usam máscaras parecidas. Então a origem fica completamente perdida e ninguém no cinema reconhece duas marcas registradas (seu cavalo branco chamado depois de Hei, ho, Silver! que explica a piadinha final) e seu tema musical que era a marcha da cavalaria da Opera Guilherme (William) Tell! Utilizada no filme com eficácia durante dois momentos inclusive o clímax no trem.
Nesse ponto acho que a promoção da Disney falhou promovendo o filme pouco e não relembrando suas origens. O Zorro (!) foi criado como herói do rádio, onde fez muito sucesso (ah, é preciso ainda não confundir com outro Zorro que a Disney produziu como seriado de TV que tinha o Sargento Garcia e era mais próximo do latino). O primeiro registro do herói no cinema foi, segundo o IMDB, em 1938 num filme chamado Guarda Vingador, seguido de continuação no ano seguinte. O ator Clayton Moore (1914-99), famoso por faroestes, foi quem assumiu o personagem numa série de TV de sucesso (que durou de 1949 a 54), sendo acompanhado pelo mais conhecido ator nativo americano Jay Silverheels (1912-80), um exemplo de sobriedade como Tonto.
Eles estariam juntos depois em longa metragens coloridos bastante profissionais, A Lenda do Zorro (The Legend of the Lone Ranger, 52), Zorro e o Ouro do Cacique (The Lone Ranger, 56, do diretor Stuart Heisler) e Zorro e a Cidade do Ouro Perdido (Lone Ranger and the Lost City of Gold, 58, do especialista em faroeste Lesley Selander), os dois últimos sucessos no cinema (eu cheguei a ver quando bem criança). Jay continuaria trabalhando em faroestes e a dupla fazia aparições em shows e festas do Oeste. Em 61, houve outro Cavaleiro que não conheci, feito por Tex Hill em The Return of the Lone Ranger, pelo jeito para a TV. Mas haveria ainda outra tentativa ambiciosa para ressuscitá-lo. Com um imenso fracasso que foi A Lenda do Cavaleiro Solitário (The Legend of the Lone Ranger, 81), dirigida pelo fotografo William Fraker, e interpretado por um ator que nunca mais fez nada, um certo Klinton Spilsbury (mexicano de nascimento, depois se tornaria coach de atores, embora sem nenhuma experiência!!). Tonto foi feito pelo nativo americano Michael Horse (que fez boa carreira). O vilão era o mesmo Burt Cavendish feito então por Christopher Lloyd (De Volta para o Futuro). Se bem me lembro do filme (que mal passou por aqui e nunca voltou), era aborrecido e mal alinhavado. Jason Robards fazia ponta como o Presidente Ulysses Grant. Se as pessoas já não curtiam o personagem em 1981 imaginem hoje em dia!
Para fazer o personagem chamaram a revelação de A Rede Social (onde fazia gêmeos); Espelho , Espelho Meu e a decepção de J. Edgar: Arnie Hammer, que tem cara de “americanão” estúpido (outro erro do filme: o herói é burro demais, ingênuo em demasia, não dá para torcer para alguém assim , não é a toa que Tonto o fica xingando o tempo todo. Devia ser desastrado e não bobo). Também é outro erro chamar para mocinha da história, mesmo o papel sendo fraco, uma jovem atriz inglesa, Ruth West, que parece a Margarida, namorada do Pato Donald (ela fez aquela operação no lábio que a deixou disforme).
Não sei se foi boa ideia contar a historia a partir de San Francisco (quando estava ainda construindo a Golden Gate), quando nos anos 1830 um garoto visita exposição do Velho Oeste onde vai conversar com um velhíssimo índio que seria o Tonto. Então ele recorda o que sucedeu, com as devidas mudanças (já que é velho pode inventar muita coisa). A primeira parte do filme é a melhor , simplesmente porque o diretor faz as referências e homenagens que deseja, situando a locação na famosa Terra de John Ford /Monument Valley (onde o diretor rodou seus mais famosos westerns). E fazendo várias citações de Era uma vez no Oeste e Três Homens em Conflito, de Sergio Leone (com o trem e os bandidos). Durante o filme também haverá citações da A General de Buster Keaton (Tonto dirigindo o trole individual), O Homem que Matou o Facínora (o John Reid seria baseado no personagem de James Stewart), Meu ódio Será Tua Herança (o assalto com o hino religioso), O Pequeno Grande Homem (a maquiagem de Tonto, a frase “É um bom dia para morrer”), Trinity ( o cavalo que puxa o ferido), Indiana Jones e o Templo da Perdição (comer o coração), De Volta para o Futuro III (a queda do trem), Besouro Verde (os personagens seriam parentes) e Dead Man (do mesmo Depp).
Já enumeramos vários problemas do filme, desde sua excessiva metragem, ate os vilões nada memoráveis (mesmo que Cavendish pinte e borde não é especialmente forte) e a figura bizarra e meio esdrúxula do Tonto (aquele flash-back que revela o erro do passado prejudica seu personagem, que não dá para ser levado mais a sério). Ainda assim e apesar de repetir tudo no mesmo tom de humor, Depp ainda sobrevive ao excesso de corridas de trem, tiroteios, explosões, reviravoltas que só esticam a narrativa sem enriquecê-la. Outro detalhe da época atual: o herói bem americano é obrigado a se tornar fora da lei e usar a mascara para sobreviver e trazer justiça! Já que agora ele sabe que os poderosos e a lei são corruptos! Como em certos lugares...
Naturalmente o filme é muito bem produzido com excelentes locações e constantes risadinhas, mas lhe falta uma sequência que fique na memória. O vilão que deseja ser dono da ferrovia (um velho clichê do gênero faroeste, quase tão antigo quanto o dono da mina!) que aqui se unem no mesmo personagem (o inglês Tom Wilkinson menos marcante que costume). As citações do cavalo místico, do windingo, da vida fora de equilíbrio parecem coisa de antiga New Age enquanto cometem um erro de acentuar violência. Embora seja PG-13, a cena em que come o coração é forte demais para crianças! Inadequada.
Será que é um desacerto tão grande quanto sua bilheteria demonstrou? Nem tanto. Pode ser perfeitamente assistido, ate por alguns momentos espetaculares (em geral com trens), outros nem tanto (a explosão da ponte é visivelmente digital e menos convincente). Só exageraram na dose e falharam na divulgação.
Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho jornalista formado pela Universidade Catlica de Santos (UniSantos), alm de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados crticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veculos comunicao do pas, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de So Paulo, alm de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a dcada de 1980). Seus guias impressos anuais so tidos como a melhor referncia em lngua portuguesa sobre a stima arte. Rubens j assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e sempre requisitado para falar dos indicados na poca da premiao do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleo particular dos filmes em que ela participou. Fez participaes em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minissries, incluindo as duas adaptaes de ramos Seis de Maria Jos Dupr. Ainda criana, comeou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, alm do ttulo, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informaes. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionrio de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o nico de seu gnero no Brasil.