Prosa Portuguesa em Terras Brasileiras
O escritor Luís Altério nasceu na França. E vive hoje em solo brasileiro
O escritor Luís Altério nasceu na França. E vive hoje em solo brasileiro: Vitória da Conquista, interior do Estado da Bahia. Mas é um escritor português. Nascido sob a mesma luz que no século anterior iluminou a pena de Honoré de Balzac, muito cedo, infante, voltou para a terra de seus ascendentes: no lugarejo de Fornos do Pinhal, pertencente ao concelho de Valpaços, Altério estabeleceu sua formação: inclusive literária, uma literatura herdeira autêntica de Eça, Camilo e Herculano. E que agora, em contato com a luz tropical brasileira, adquire suas peculiaridades. Mas não deixa de manter arraigada, em sintaxe, vocabulário e jeito da frase, sua lusitanidade.
Os aspectos de seu texto, que misturam com grande engenho poesia e prosa, podem ser observados e admirados em Airyl (2014), um belo opúsculo editado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Para quem, como eu, se habituou a devorar as letras lusas desde tenros anos, perseguindo como rato numa biblioteca interiorana aos mais nobres cultores da língua além-mar (de novo: Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Alexandre Herculano), encontrar a aventura literária muito particular de Luís é um deleite; e sobretudo um achado —verbal, estilístico, às vezes se aproximando dum delírio estético. Como nesta anotação que abre o excerto nove, na página 23: “Meu amor, momentos houve que sonhos malignos habitaram em mim! Quimeras perniciosas que destruíram a inteireza do bom senso do nosso amor...”.
O canibalismo pós-simbolista do versejar contemporâneo topa nas buscas poéticas de Altério um novo olhar. Luminoso e pensado. “canibal a crepitar lenço pairado no adeus / na gávea a profetizar o rouco rumo”. Uma aliteração quase simbolista (“rouco rumo”), como no poeta negro brasileiro (catarinense) Cruz e Sousa, mas sem o canto plangente, em Luís há esta mente dos delírios próprios do século XXI, “lenço pairado no adeus”, o verbo por aqui intransitivo é transitivado pelo poeta, enfim os contatos de duas línguas portuguesas se me permitem a aporia linguística, daqui e d’além-mar, permutas de formas de expressão de nosso idioma.
Amo isto nas letras em língua portuguesa: estas fusões entre diversas regiões, inclusive dentro do próprio Brasil, que é um continente. Luís Altério refaz, ao modo do século XXI, a trajetória do padre Antônio (ou António?) Vieira: originalmente luso, vem buscar na energia baiana um outro raio para seu falar/escrever: “o sol levante a abrir cortina de luar”. Os que lemos e os que escrevemos somos linguagem; mesmo dentro do que poderia ser o rigor de escrever-pensar, precisamos das impurezas das misturas. Fornos do Pinhal com Vitória da Conquista. Dá em Airyl.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br