Um dos Mestres da Imagem no Século XXI
Um dos Mestres da Imagem nNo Século XXI
Hou Hsiao-Hsien é um dos grandes cineastas da atualidade. Não é o único taiwanês que está nesta categoria
Hou Hsiao-Hsien é um dos grandes cineastas da atualidade. Não é o único taiwanês que está nesta categoria; há pelo menos outros dois grandes realizadores taiwaneses conhecidos no Ocidente, o bem conhecido Ang Lee (que meio que se contrabandeou para o Ocidente) e Tsai Ming-Liang. Hsiao-Hsien é, formalmente, o mais sem concessões comerciais destes realizadores, embora em todos eles encontremos a marca da resistência às facilidades da imagem em cinema.
A assassina (Nie yin niang; 2015) é uma amostra recente de seu talento extremado para a elaboração lenta, exasperada da imagem que recupera certos aspectos do mito histórico da China. Como em certos filmes do japonês Akira Kurosawa, o histórico é visitado pela câmara quase como lenda. Como em narrativas do japonês Yasujiro Ozu (que Hsiao-Hsien homenageou mais claramente em Café Lumière, 2003) as coisas mínimas duma história cujos passos minúsculos são exacerbados por constantes quadros de profunda densidade plástica.
No miolo de A assassina, uma matadora profissional. Coisa de tempos bárbaros, dum espaço bárbaro: ou a barbárie está em toda a parte, em todos os tempos? No começo do filme uma freira contrata a mulher para assassinar um desafeto. De crime em crime, a assassina topa seu dilema quando se apaixona pela vítima. Numa determinada cena, ela se dirige para matar um homem, mas recua quando o vê com um bebê no colo. A natureza ambígua da assassina corresponde à própria ambiguidade das formas de narrar. Há uma sequência de lutas de espadas em que o estilo de filmar, plástico e às vezes sincopado, inibe a ação dos filmes do gênero que a narrativa busca emular. Quer dizer, Hou Hsiao-Hsien se esforça por permitir ao espectador desfrutar certas dissociações entre o espetáculo e a escrita cinematográficos: sua assassina é uma forma difusa, estética e até experimental, de propor um contato com o lado físico e mais assimilável do cinema. O olhar (a câmara) cinematográfico de Hsiao-Hsien se esconde muitas vezes atrás de misteriosas cortinas que enodoam o tempo histórico e os aparentes significados em que se movem suas personagens. A assassina é uma obra-prima tecida dos paradoxos em que, desde sempre, o cinema, por sua natureza duma arte que é também uma indústria, como já lembravam seus primeiros pensadores.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br