António: O Gênio Fala de Si Mesmo

António Lobo Antunes é o escritor mais completo. Aquele que integra emoção, pensamento e linguagem

18/07/2014 17:44 Por Eron Fagundes
António: O Gênio Fala de Si Mesmo

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Dos ficcionistas de hoje que conheço, o português António Lobo Antunes é o mais completo. Aquele que integra emoção, pensamento e linguagem num arcabouço gótico que deslumbra. Muitos dirão que penso assim porque ele escreve em minha língua e os demais autores leio, o mais das vezes, em traduções. Pode ser. Por que Shakespeare é hoje hegemônico? A língua inglesa, via especialmente Estados Unidos, domina o mundo: ainda.

Sôbolos rios que vão (2010), um de seus últimos romances, é mais curto que suas obras habituais, especialmente as últimas e gigantescas, mas o barroquismo de seu texto, delirante e divagante, permanece, ainda que utilizando um espaço menor. O título camoniano e ironicamente arcaico remete a uma memória que tergiversa, em torno de si mesmo e da cultura que engendrou um escritor como Lobo Antunes. Sôbolos rios que vão narra, sob uma perspectiva densamente literária, um episódio recente da vida do escritor, quando foi internado para retirada de um tumor. O tumulto de imagens verbais da narrativa é coordenado com mestria pelo autor a partir da visão do protagonista, que está num hospital para a retirada de um tumor. Sôbolos rios que vão é um texto para aqueles que amam a língua portuguesa; eu me criei nela, embarquei desde as primeiras leituras pré-adolescentes em seus meandros e cuido conhece-la melhor que muitas outras coisas em minha vida, assim me sinto um tantinho preparado para estar junto com Sôbolos rios que vão, que não é um livro para quem gosta simplesmente de ler, mas para quem gosta mais simplesmente de mergulhar no pensamento da leitura.

“Da janela do hospital em Lisboa” (expressão inicial do romance) o protagonista de Lobo Antunes reobserva o mundo penetrando na memória, de uma maneira pós-proustiana, onde o impressionismo decadentista francês é substituído pelas linhas pós-pós-modernas duma profusão de palavras livres, pós-psicanalíticas. “poisou-o à esquerda dos damascos, luxúria, palavras enigmáticas, página fora, eritrocitose, gramínea, lebroto, luxúria e a avó a percorrer a luxúria recitando em voz alta viço, magnificência, comportamento desregrado  em relações aos prazeres do sexo, lascívia, concupiscência, superabundância, luxo, excesso de ardor, demasiada fogosidade, ver sinonímia de indecência e lubricidade, ver antonímia de inocência e repetiu isto na igreja acrescentando-lhe, na dúvida, a gramínea e o lebroto, o senhor vigário submerso numa cascata que lhe obstruía o raciocínio.” António está com a palavra, porque a palavra é de seu domínio.

 

(eron@dvdmazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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