Mestre e amigo. Faz falta demais o Domingos de Oliveira.
Há certas perdas, que não conseguimos resolver, esquecer, perdoar
Há certas perdas, que não conseguimos resolver, esquecer, perdoar. Tão importantes que as vezes me escondi de enfrentar a realidade e reagi temeroso. Como viver com a ausência de amigos de uma vida inteira. Não faz tempo reagi assim, não sabendo que caminho tomar quando morreu o amigo Alfredo Sterheim. Na verdade, até agora não tomei o rumo certo com esse velho companheiro. Ainda bem que acordo a tempo de não precisar esconder minha estupidez e não ter vergonha de confessar, que certas perdas a gente nunca vai esquecer, certas dores nunca serão resolvidas, que graças a Deus tivemos a chance de conhecer e admirar pessoas fora do comum, especiais, modelos para as nossas vidas. Desde quando conheci mais de perto a querida Leila Diniz, com a ajuda da amada Joana Fomm, nunca mais escondi o que eu admirava na obra, na personalidade, no delicioso talentoso e brilhantismo na vida e obra de Domingos de Oliveira (1935-2019). A partir de “Todas as Mulheres do Mundo”, 1966, nunca perdi a carioquice, a poesia, o humor, a criatividade desse escritor, diretor capaz de fazer uma obra tão pessoal, tão particular, tão carioca. Custou a nos ficar mais próximos, talvez timidez de ambos, mas ficamos mais amigos a partir dos seus longas que fez para o Festival de Gramado, sempre muito biográficos, infinitamente humanos e cariocas. Adorava sua maneira de ser, de falar, de escrever, de fazer cinema. Sua obra teatral e cinematográfica. A lembrança que trago comigo foi com um de seus últimos filmes fazendo sucesso, já em cadeira de rodas, mas quando sempre discreto diante de uma pessoa que você tanto admirava, nem subi ao palco para saldá-lo. Mas sem querer, ele em cadeira de rodas, aconchegou-se de mim, e com uma voz embargada como a minha acrescentou: “ O que você fez por mim, Rubens, foi uma coisa que só mesmo um grande amigo seria capaz de fazer”. Abraçou-me, e se afastou discretamente. E nunca mais o vi. Mentira. Continuo a vê-lo e admira-lo por toda a parte e todo o tempo.
Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de Éramos Seis de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionário de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.