O Vale-Tudo da Democracia Americana Segundo o Jornalista Tom Wolfe
Tudo o que acontece em A fogueira das vaidades pode não ser uma reprodução passo a passo duma notícia de jornal
A fogueira das vaidades (The bonfire of the vanities; 1987) do americano Tom Wolfe, não trata, como ocorria com seu antecessor na literatura de não-ficção, A sangue frio (1966), do também americano Truman Capote, de reproduzir um fato de fato acontecido. Mas, um pouco por seu estilo de escrever, um pouco pelos sarcasmos diretos de observador da sociedade americana de um artista como Wolfe, mais pegado ainda à realidade que o acontecimento de Capote. Tudo o que acontece em A fogueira das vaidades pode não ser uma reprodução passo a passo duma notícia de jornal mas é uma visão crua e jornalística daquilo que, no exato momento em que as páginas do livro se desenrolam diante de nós, pode estar sendo encenado nas ruas de Nova York e adjacências (as adjacências são o mundo capitalista em qualquer recanto da terra, de New Jersey aos confins do Oriente).
Em sua escrita Wolfe desafia a pompa ficcional. Põe no mesmo berço as frases rebarbativas (e falsas) e nossas vaidades de bem-estar e consumismo: uma linguagem que pertenceria a um estilo de viver. No início ele (ou seu narrador, um autêntico repórter ao modo, ressalvados os abismos entre os séculos, de Honoré de Balzac) já ataca no linguajar do bairro do Bronx. Um jovem negro será atropelado por um financista da metrópole americana, mas o que ouvimos são as vozes populares, antevendo algo, “dizer esqueçam que têm fome, esqueçam que um tira racista acertou um tiro nas costas da gente —que Cuck esteve aqui? Chuck veio ao Harlem”. Trôpego nas orações que de propósito chegam a acavalar-se em sua sintaxe, truncando-se na desfluência narrativa, A fogueira das vaidades faz, todavia, explodir a narrativa convencional e abotoada, ainda que nunca se aproxime do experimentalismo que o narrador de Wolfe consideraria como pedante. Solto e feroz, A fogueira das vaidades, se começou aos gritos abafados do povo usando de discurso direto, vai concluir o ciclo de cinismos do capitalismo, após todo o sensacionalismo midiático descrito minuciosamente em mais de 900 páginas, num parágrafo em que o observador narrativo, discurso onisciente habitual, quase flaubertiano, põe o jogo com absoluto sarcasmo. Eis:
“O Sr. Fallow, vencedor do Prêmio Pulitzer pela cobertura do caso McCoy, não foi encontrado pelo repórter. Aparentemente encontra-se num veleiro navegando pelo Mar Egeu com Lady Evelyn, com quem se casou há duas semanas, e que é filha de Sir Gerald Steiner, o célebre editor e financista.”
Tom Wolfe faleceu em maio deste 2018, aos 88 anos. A fogueira das vaidades foi filmado em 1990 por Brian De Palma.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br